Um poema de Imaculada Moura | Relembrando o Tempo de Criança

 

Imagem de Yuliya Harbachova por Pixabay. 

Um poema de Imaculada Moura


Relembrando o Tempo de Criança 


Vejo a velha paineira, 

dela tenho boa lembrança. 

Minha paineira querida 

fez parte da minha vida. 

Era uma boa amiga, 

mais linda quando florida. 

Em sua sombra eu deitava, 

olhava as nuvens e sonhava. 


Sonhava acordada 

vendo aquela beleza, 

quando as nuvens se mudavam 

com tanta delicadeza. 

Ora era uma figura, 

ora outra escultura, 

e isso me encantava. 


Quando olhava lá para o horizonte 

via aquele grande monte, 

parecia tão perto do céu... 

a mente então voava 

e batia forte as asas. 

Lá em cima então eu chegava. 

Com um bambu na mão,

Só bastava um cutucão 

para o céu se abrir 

e bem rápido eu podia subir, 

e até falar com Deus.


Por que é assim o destino? 

- Eu quero ser um menino! 

E falava sem rodeio: 

- Ser menina, eu odeio. 

Pra menina tudo é feio, 

pro menino é sem maldade. 

Apesar da pouca idade 

eu sentia a diferença, 

e na doce inocência 

eu tinha fé que um dia daria certo.

Eu queria em menino me transformar. 


Ouvi contar uma história 

e guardei bem na memória: 

se passasse por baixo do arco-íris 

tinha uma transformação: 

irmão virava irmã, 

irmã virava irmão. 

Tantas vezes eu tentava

passar por baixo, nunca dava.


Dessa ideia eu desisti. 

Eu queria pegar o Saci. 

Ouvi dizer que se jogasse 

um rosário ou uma peneira 

naquela roda de poeira 

que se chama redemoinho, 

lá estava o Saci sozinho 

e dava para pegar o sujeito. 

Mas nem mesmo eu sabia 

porque é que eu queria 

pegar o tal Saci.

Uma noite, pra meu desespero 

veio um pesadelo. 

O Saci pela orelha me pegou 

e ia me levando embora 

com rosário e com peneira 

naquela roda de poeira 

ele ia me arrastando. 

Eu, com medo ia gritando. 

De repente acordei. 

De tanto que gritei 

acordei a casa toda. 


A história eu contei, 

minha mãe então me disse: 

- Isso é só um pesadelo, 

para que tanto desespero? 

essas coisas não existem. 

Foi aí que eu desisti 

de pegar o tal saci.

Ele foi bem mais ligeiro 

e me pegou primeiro.

Quase morro do coração 

mas aprendi a lição. 

E do Saci, acabou a história. 


Chegou a hora de ir para a escola, 

a escola não me agradava. 

Todos os dias eu chorava 

dizendo que tinha dor, 

mas de nada adiantava 

querer botar o terror.

Minha mãe já sabia, 

ela bem me conhecia. 

Pegava uma vara na mão. 

E num baita carreirão os outros eu alcançava, 

seguia com todos na estrada. 

Eu me conformei e assim o tempo passou. 


Então eu cresci, 

fiquei jovem, 

envelheci. 

Hoje tudo eu daria para voltar lá no passado, 

ter os meus pais do lado, 

viver como aqueles dias.

Mas eu sei que não dá mais,

não tem como voltar atrás. 

Mas eu também não posso me queixar, 

Deus tem me sustentado 

com filhos e netos do meu lado, 

temos saúde e paz. 

O resto a gente busca, vai atrás.

Vou ficando por aqui 

Enquanto Deus permitir 

e chegar a hora de partir 

para minha nova morada.


18 de maio de 2021 



Imagem de Jill Wellington por Pixabay. 



Imaculada Moura (Aparecida Imaculada Conceição de Moura) nasceu em Dois Córregos, interior de São Paulo, em 1949. Estudou até o quarto ano primário. Foi criada na fazenda onde se deu toda a história que aparece no poema acima. Mudou-se para Carapicuíba em 1967, trabalhando no Bom Retiro como costureira. Casou-se e teve quatro filhos, que lhe deram seis netos. Tornou-se viúva, e participa hoje de várias atividades culturais na Associação São Joaquim na Aldeia de Carapicuíba. Incentivada e desafiada por Eleonora Sampaio Caselato, professora da Oficina da Palavra dessa Associação, descobriu um talento para a poesia e a música que não sabia que tinha.




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