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Possibilidades de uma poeta impossível | Marilia Kubota

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Mosaico - Resenha - 06 Possibilidades de uma poeta impossível Por Marilia Kubota "Possibilidades" (2006), o último livro escrito pela poeta gaúcha Angela Melim, trabalha com o possível da linguagem diante do impossível da vida. Sua poesia são "pinceladas faiscantes de objetos nervosos", como define Leonardo Fróes no prefácio. Cacos, retalhos, grafismos, ranhuras, incisões: elementos que remetem à fragmentação do discurso racional. A lógica desta poesia é o fragmento, o rompante emotivo, a imagem lacerada. São possibilidades de comunicação num universo em que a ordem é o caos . A poesia lida com as possibilidades da linguagem. Há mais invenção na restrição de recursos do que no desregramento. Isto porque a linguagem é, antes de tudo, um sistema, que para ser  compreendido por todos os falantes e escritores, cria regências. Na história da poesia, regras foram criadas para levar a efeito o que se considerava boa    —  ou bela    —   poesia. As vanguardas p

Improvisos & Arquivos - Vamos falar de Trova?

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| improvisos & arquivos - 04 | Vamos falar de Trova? por Chris Herrmann Antes de trazer a esta publicação trovas improvisadas por mim com uma bela interação com amigos virtuais, gostaria de falar sobre o que é a trova, suas origens e como ela é construída nos dias de hoje. Embora eu não me considere uma típica trovadora, gosto de estudar e experimentar diversos gêneros literários, sem preconceitos.  Mas vamos lá: a trova é, na literatura, um poema autônomo monostrófico, isto é, que apresenta uma única estrofe com sete sílabas poéticas em cada verso. Os quatro versos em redondilha maior** devem oferecer ao leitor o significado completo da mensagem a ser transmitida. ** A redondilha menor (ou pentassílabo = verso de cinco sílabas) e a redondilha maior (ou heptassílabo = verso de sete sílabas) foram sempre usadas na poesia popular portuguesa desde os seus primórdios. Os poetas "eruditos" nunca as desdenharam. Camões cultivou-as com mestria: “ Aquela cativa /

Uma colher de chá pra ele - Alberto Bresciani

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| uma colher de chá pra ele - 01 | Seis poemas insubordinados e inéditos  - por Alberto Bresciani SÍTIO Já havia mortes traçadas nas tatuagens de rapazes e moças, silêncio opressivo sob a crosta de muita fala, muito ruído, toda zombaria e dança em cada praça. E nada era engano, ilusão. Não. Era o desastre, discreto, chegando, acumulado nas balas de festim. Como se Deus enfim assumisse seus erros, a deformada geometria. E assim começou o cerco, a noite infiltrada nas tardes, a gravidade insuportável para ombros frágeis, enterrando o que ria e se comemorava, um escuro invisível, chumbo embora. Os videntes anunciando em desespero o rompimento dos muros, dos diques, a fome, a sede, o desamor, epidemias. Na cidade sitiada, esse homem é o louco das ruas, perdido, anda enfiado em pedras, coberto de papel, colecionando caixas de remédio, vazias como um sorriso póstumo. Passa o tempo costurando, umas às outras, as asas dos ins

Mariana de Almeida - cinco poemas de vida e morte/amor e guerra

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Monika Luniak Asfixiados Não era o medo da morte E sim de como nos matamos Não era o medo do escuro E sim de como apagamos as luzes Não era o medo da multidão E sim da nossa imensa solidão Não era o medo das ruas, das mãos Era o medo de quem somos! Nosso novo mundo arrebentado Correntes, máscaras, vírus e verdades À tona nas principais manchetes Dos inúteis noticiários das cidades Que tentaram, em vão, despertar O ar da nossa última humanidade. *** Mundo Novo Senti medo por ver ruir tudo o que nunca nos pertenceu; Senti pavor por ver o oceano nos separar dessa vez para sempre; Senti dor por ver a escuridão em pleno dia; Sim, também senti um alívio por tudo isso enfim... O novo mundo não pode ser pior que as falhas do antigo. Dica de dieta Pois onde não houver Fartura de gestos, Recolha-se Delicadamente, Saibamos estar Com os que têm fome de amar, Deixemos os miseráveis a sós Secos por não saberem doar. Guerra A guerra ma

Afeto e melancolia, em uma belíssima crônica poética de Juliêta Almeida

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Arte de Willian H. Snape A Cadeira e o Olhar                     por Juliêta Almeida O  olhar de uma pessoa reflete a alma! E existem almas para todos os gostos! Há os que olham para uma cadeira e veem apenas uma cadeira, outros veem uma história. Uma vida! Vou contar-lhes sobre o que vi, ao revisitar as gavetas da memória. A primeira e principal delas é a figura do meu pai/avô, Chico Maria, sentado na tal cadeira que, hoje,  ultrapassa um século de existência... meu avó, Chico Maria, a me contar histórias e a me fazer lembrar também de uma frase do escritor Ivan Martins: “o tempo pode ser adiado por fora, mas por dentro ele se instala”, dai… Era um dia de sábado. Dia de tensão! A cadeira de balanço não balançava! Nela, um senhor de aspecto severo e circunspecto contava as cédulas, enquanto o suor lhe escorria pelo rosto. Havia chegado da feira livre, há poucos minutos, e o balaieiro (homem que carregava em um balaio as compras dos fregueses) ainda esperava pelo seu paga