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Mostrando postagens com o rótulo Ilustração

Um conto sensível e instigante - por Divanize Carbonieri

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Laurent Folco MESA-REDONDA  por Divanize Carboniere   Olhando a foto, tenho a impressão de que existe certa deformação em meu corpo. Não é apenas o caso de ser feia. É mais do que isso. Um corpo que parece errado de qualquer modo, quase uma monstruosidade. Todas as outras estão bem, se não bonitas, pelo menos sem nada na aparência que as desabone. Uma mulher vale pelo quanto aparenta bem. Uma mulher não vale nada realmente. O que importa se tem boa aparência ou não? O máximo que se pode almejar sendo mulher é merecer ser estuprada. Tudo o que se pode desejar é ser uma bela tolinha, já se sabia faz tempo. Mas nem sempre é possível, por mais esforço que se faça. Não para todas. Algumas aparentam estar apaziguadas em relação a tantos padrões. Provavelmente nem é toda a verdade. Mas nunca experimentei sequer um verniz desse conforto. Sempre em guerra com minha imagem, evitando espelhos e não olhando para baixo ao tomar banho. O corpo, o grande inimigo. Campo de batalhas perd

Uma crônica homenagem - Por Esther Alcântara

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Ary Ferreira A duras e doces penas por Esther Alcântara Era meio da tarde, mas precisei acender a lâmpada do quarto-escritório porque escurecia mais cedo n a iluminada Salvador. Janela aberta ao alcance dos olhos, voltei ao computador, feliz por ter um pequeno trabalho de revisão em plena quarentena. De repente a explosão de luz, um estrondo... Gritei! Como eu, o computador também reagiu aos relâmpagos e trovões: desligou na minha cara, deselegante. A lâmpada também se apagou, e todas as luzes do céu iluminaram as árvores do morro à vista, adentrando a janela. Foi tudo ao mesmo tempo, e no instante seguinte constatei ainda estar viva. Lembrei de como minha mãe me acalmava: "Quem morre de raio nem ouve o relâmpago". E aconselhava: "Desliga tudo"; "Melhor deitar". Eu e o Tom obedecemos e nos deitamos. Nenhum de nós já havia sentido tanto medo ante a chuva e seus "acessórios". Raios e raios e raios... por pelo menos uma hora, sem

A magia do conto de Luciane Monteiro

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Imagem Pinterest A caixa e o sonho por Luciane Monteiro Como é lindo, disse ela ao olhar o seu silêncio que resplandecia em sorrisos. Ninguém via, mas ela apenas sentia que crescia e se tornava esplêndido o seu mais doce mistério. Talvez devesse revelar, mas o que via era tão bonito que, egoísta, não quis dividir. Guardou numa caixinha e escondeu embaixo de um sonho amanhecido. Aquele sonho já estava bem desbotado e, por isso, ninguém o percebia mais. Correu, então, furtiva por debaixo de suas encostas. Atracou-se com um desejo ardente sob a penumbra da sala. Os pés tocavam descalços o tapete macio; sentiu prazer. Queria voltar, mas não conseguia deixar de pensar na caixa guardada debaixo do sonho adormecido. Conteve-se ao ouvir o barulho no telhado e ficou atenta, porém somente o gato miou. Sentiu pelo corpo um arrepio gélido e quis miar também, mas apenas ronronou baixinho e riu sozinha um riso tão cheio de cores que luzes foram acesas na vizinhança. Fez silêncio

Virgínia Finzetto - Um conto envolvente

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Gabriel Moreno O CÉU DA IMAGINAÇÃO por Virginia Finzetto Quando se mudou para o apartamento do quinto andar do novo bairro, Ana teve que respirar fundo para não cair em prantos. Qualquer cena apaixonada, como a do casal se beijando na portaria do prédio, era motivo para alimentar sua tristeza. Esses detalhes mostravam a desolada realidade de sua atual condição, reprisavam lembranças do que imaginou serem os dias mais felizes ao lado do último marido, agora apenas o ex, que acabara de lhe pedir o divórcio. A dor da separação ainda pulsava em sua jugular e tirava seu coração do ritmo. Estava difícil deixar para trás uma parte de si mesma. Agora estava só, cuidando da metade que restara de mais uma quimera. Ainda limpando as lágrimas dos olhos, recordou-se do episódio da loja. Certo dia, comprando uma roupa nova para preencher o vazio da alma e da baixa autoestima, enquanto procurava qualquer coisa nas araras, deu de cara com uma imagem: "Nossa, que mulher m

Uma Crônica sobre mulheres - por Rejane Souza

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MULHER LENDO de Aaron Shikler (1922) LIVRO E EMPODERAMENTO FEMININO por Rejane Souza Em pleno período de Carnaval, fui desafiada a escrever uma crônica que tivesse conexão entre o livro e a mulher. Não é uma tarefa fácil, pois o ambiente externo chega através das batidas do pedreiro exercendo seu ofício. De outra banda, os sons das conversas dos vizinhos misturados a músicas, e a inspiração vem e some... Mas pegando o fio da História, sabe-se que o livro, por muito tempo, foi considerado um bem cultural de pouca circulação na sociedade. E o acesso, na Idade Média, era restrito a uma casta privilegiada nos lugares secretos dos Mosteiros. Nesse tempo, o livro, além de ser matéria perigosa, somente ao gênero masculino de notório saber e nobreza, cabia o direito de desfrutá-lo. Todavia, no curso do percurso, as vozes femininas, em épocas diversas, desafiaram o silêncio e ousaram, através dos escritos, soltar ao vento as suas ideias, denúncias e pensamentos. Nesse roteiro, um

Um Conto de Eliana Bueno Ribeiro

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Luciane Valença Moema por   Eliana Bueno Ribeiro Fui eu quem o viu primeiro, trazido pelo mar. Caído lá,mais morto que vivo. Afogado? Corremos todas, ele deu um suspiro e olhou pra mim. Juro, ele olhou primeiro pra mim, depois pra ela, depois pras outras que o cercavam. Logo depois fechou os olhos como se tivesse morrido. Como se tivesse dormido. Elas ficaram ali rindo e falando e ele imóvel como um peixe grande encalhado na praia. A cara encostada na areia, cheia de cabelos pretos misturados com as algas e peixes miúdos que se debatiam como numa rede. Um branco vestido como um branco, cheirando como um branco. Joelhos no peito, abraçava um osso escuro ou galho de árvore que lhe ia quase aos pés. Quando os homens chegaram ele se esticou num pulo, como uma cobra.No meio de todos eu abria caminho para que ele me visse, empurrando as outras. Apertei seu braço para que ele não tivesse medo, eu estava ali, eu sempre saberia do que ele precisasse. Eu e ela.Nós duas cuidamos

Um Conto - por Maria Amélia Elói

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Lasar Segall Fluxo Por Maria Amélia Elói Eu precisava conversar com alguém hoje, com qualquer pessoa. Pode ser com você, moça? Que bom que você se sentou aqui do meu lado. Senão eu era até capaz de ficar falando sozinha. Prefere que eu te chame de senhora? Não, né? Você parece muito mais jovem que eu. Não desvie o olhar, por favor. Você pode me ouvir um pouco? Ah, obrigada. Minha fala não vai incomodar. Não sou de pedir dinheiro nem comida, nem fico vendendo balinha nem saco de lixo nem pano de chão nem goiaba nem biscoito de vento nem pipoca de isopor. Tudo bem? Você pega este ônibus de vez em quando? Eu não. É muito raro. Só estou nesta linha porque acabei de sair de uma consulta no Hospital de Base. Hoje finalmente fui atendida, acredita? Você trabalha na Asa Sul? Ah, sim. Então, você vai fazer a caridade de guardar seu celular na bolsa e me escutar um bocadinho? Graças a Deus. Tem hora que a gente precisa falar com os outros, né? Qual é mesmo a sua graça? Ah, nome b

Maya Falks - Um conto comovente

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imagem: pinterest  Matias por Maya Falks A gente tinha a mania de pegar aqueles panfletos de papel mais grosso que o pessoal joga no chão e fazer aviãozinho. Era a única coisa que eu sabia fazer além de recitar meio alfabeto arrotando. O Matias não, ele tinha mais habilidades, fazia barulho de peido com o sovaco e barquinho com os panfletos. Nos dias de eleição a gente andava nas ruas recolhendo pilhas e pilhas de papel com cara de candidato tratada nesses programas de computador. O Matias fazia praticamente um port o inteiro de barquinhos pra gente brincar nas poças quando chovia. Um dia a dona Zuleide escorregou num barquinho que encalhou na calçada dela e a gente esqueceu de buscar. O pai do Matias ficou uma fera, bateu nele de cinta até sangrar, na nossa frente. A dona Zuleide achou muito que bom, e disse pra minha mãe que ela devia fazer o mesmo, que onde já se viu mocinha de bermuda brincando de barco com os moleques. Eu levei anos pra entender o que ela quis

Uma linda crônica de Palmira Heine

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Imagem  Pinterest A barba branca por Palmira Heine Era a década de 80, eu tinha em torno de seis anos e minha mãe ainda fazia faculdade de Letras em Recife. Sem ter com quem me deixar, quando ia estudar, ela, muitas vezes, me levava com ela para a aula. Eu pegava meu caderninho de desenho e começava a desenhar, enquanto a aula ocorria. Às vezes cantava baixinho batendo os pés e as mãos, esperando que a aula acabasse para irmos para casa. Uma ocasião, porém, minha mãe me levou mais uma vez. Nas minhas lembranças de criança, sei que aquele dia tinha algo diferente. Eu estava ansiosa, e o dia estava lindo com uma beleza leve de canto de passarinhos. Minha mãe chegou na sala, sentou e eu sentei na cadeira ao fundo com a companhia do meu caderninho de desenhos. Minutos se passaram e entrou um professor. Ele tinha uma barba comprida e branca. Eu sempre tive medo de barbas compridas quando era criança. A imagem do professor barbudo me trouxe medo e timidez. Ele sentou e começou a