Uma colher de chá pra ele - Gilucci Augusto

| uma colher de chá pra ele - 07 |

Poemas da obra ainda no prelo:

 QUINTAL: DIÁRIO PARA VAGA-LUMES EM DIAS DE CHUVA


Foto de pilipoff em 


Tinha um jardim no meio do meu quintal
No meio do meu quintal tinha um jardim

Tinha um mangue no meio do jardim do meu quintal
No meio do jardim do meu quintal tinha um manguezal

Tinham homens sangrando acorrentados no meio do mangue do jardim do meu quintal
No meio do mangue do jardim do meu quintal tinham homens sangrando acorrentados

Tem óleo preto nos mangues e jardins dos nossos quintais

O óleo subiu a praia
Subiu o morro
Manchou a rosa do povo
Destruiu
Jardins
Manguezais

Agora
No meio do asfalto ardente
Se esforça a rosa doente
A brotar
A crescer

Imagem Pinterest


Que tristeza não ter um pequenino riacho
No quintal. Poder sentir e ver a lua deitar-se
Leitosa como a nata do leite que Vó deixava descansar
Após ferver sem derramar,
Logo cedo quando dourados raios beijavam as latas
Do leiteiro que gritava e acordava mãe, tia, vizinha, cachorro e gato...

Para a alegria, com pitadinha de sal, fazia-se até mingau ou vitamina
Com banana nanica verde ou madura cozida...

Que tristeza não ter um pequenino riacho
No quintal. Poder sentir e ver o som crescer
Sol acalentar
Toque doce de abelha serena
Florir
Perfume de maracujá.

Que tristeza não ter um pequenino riacho
No quintal. Poder sentir e ver a vida minha
E dos vizinhos,
Filho negro e pardo nascer
Crescer e morrer de morte natural.

Tentarei não morrer por esses dias,
Pois, aqui onde nem eu e nem a vizinha
Temos riachos pequenos no quintal,
Tem se morrido de gente e não de causas naturais.

Se Vó ainda fosse viva, decerto que leite
Do leiteiro não teria.

Mesmo na beleza da primeira luz do dia
Jorraria leite rubro viscoso formando
Riachos e outros diachos que se vê
Nos tempos de hoje no jornal do meio-dia.
Há no país uma legenda,
Que ladrão se mata com tiro.


Imagem Pinterest


No lusco-fusco dum verão de ano enfermo,
Li em algum lugar que não me lembro ligeiro,
Que chuva é poesia mesmo em local ermo,
Alumiou minha memória o candelabro sorrateiro.

Em casa de telha quando chove, faz pobre
Correr antes que se faça lamaceiro.
É sinfonia tanto gotejo, pinga sobre
Chão de terra, nas latas, aguaceiro.

Poesia tem som, um tantinho de medo,
Aroma de terra molhada, às vezes até enterro.
Se cobre espelho, trovão derruba mesmo rochedo.

Criança transforma quarto escuro em jogo, aterro.
E poesia é qualquer coisa quando a mente pura
Sente medo e fértil deixa o solo, santo desterro.

***

Um poema a mais...




Ainda possuído por espíritos benfazejos
Desperto
Lançando da boca molhada
Pétalas sedosas
O perfume de rosas pretas
Que houvera me vestido o corpo
A alma, o bucho e mesmo as rezas
No sereno noturno de ontem

Sinto que a sete quilômetros daqui
Um infinito
Salgadas águas desesperadas
Azuis cintilantes
Esgueiram-se
Me buscando
Por entre concretos
Tateando a brisa
O horizonte contra mim
No afã de tragar-me a visão
Com beijos de lábios salgados

Enquanto sobre mim
Um oceano de fogo nascente
Um espetáculo
Feito guerra de deusas
Devora-me o olhar

Me reconheço graciosamente enfeitiçado
E
Com mais nada posso me comprometer
Senão voltar ao jardim formoso de terras pretas
A bonita tez que trajava o luar
O sereno de bruxa da noite de ontem
E embebedar-me
Embebedar-me tragando rosas
Vomitando paixões e outros perfumes


***



Gilucci Augusto é  aquariano com ascendente em peixes. Viciado em música, desde o heavy metal à bossa nova, MPB e música erudita. Gilucci é baiano, nascido na cidade de Santo Antônio de Jesus, atualmente residente em Salvador, é cidadão do mundo. Fotógrafo, poeta, professor, cineasta e cozinheiro, possui MBA em Comunicação e Semiótica e mestrado em Desenho, Cultura e Interatividade pela UEFS (PPGDCI), com pesquisa sobre a poética da imagem fotográfica a partir do imaginário das mulheres do Quilombo Kaonge. Sua produção artística é envolta da poética do Recôncavo Baiano, na sua diversidade, tradição e contemporaneidade. Escritor irreverente e visceral, veicula seus textos nas redes sociais, nas quais nos traz sempre algo que nos toca a alma ou o corpo. Publicou em 2018 seu livro Corpus et Spiritus, no qual apresenta as imagens do seu trabalho fotográfico, exposto pela primeira vez em março desse ano, na Galeria da Associação Cultural Brasil-Estados Unidos (ACBEU), em Salvador, bem como expôs na Galeria do Serviço Social do Comércio (SESC), em Santo Antônio de Jesus. Em 2019 publicou Nuances – Entre Luzes e Sombras, seu primeiro livro na arte literária, que chegou ao mercado com o selo da Editora Penalux.




  



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