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Mostrando postagens com o rótulo Neide Silva.

Pés Descalços 09| Quando o coração bate mais forte

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  Quando o coração bate mais forte Meu filho, pela primeira vez, foi a um velório: pediu para ir. Quis representar suas irmãs, que estavam fora de Cuiabá, dar um abraço no amigo delas que perdera a mãe. Aos seis ou sete anos de idade, não me recordo bem, perdi o avô materno, que estava desenganado há meses. Esteve em nossa casa entre uma lamúria e outra, daquelas idas aos hospitais, até o finado dia em que não saiu mais da rede suspensa entre as paredes e o telhado. Havia uma mesa marrom em madeira compensada no formato retangular com gravuras que lembravam os nós de uma árvore, e as cadeiras soltando os parafusos, faziam o jogo de uma mesa de jantar. Era um lugar reservado para visitas, conforme o gosto autoritário de minha mãe. Em uma daquelas manhãs, por volta das nove horas, um pássaro sobrevoou o quintal e pousou na janela, ao lado da rede. Nesse mesmo dia ele se foi. Primeiro o pássaro, depois meu avô. Mamãe ao ver o mensageiro da morte tratou de espalhar a notícia. Logo de

Pés Descalços 08 | EVOLUÇÃO

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                                         EVOLUÇÃO Nas férias de julho eu e o meu filho Norberto vamos à Escócia, onde mora uma das minhas filhas. Ele, que está fluente em inglês, vai ser meu tradutor! É por isso que a viagem está sendo possí vel . Eu também fazendo umas aulas no aplicativo Duolingo, e Norberto é meu orientador. Isso me fez lembrar da infância. Quando crianç a, meu sonho era ser logo alfabetizada. Sabia das vantagens que isso me traria. Uma delas era poder conhecer lugares novos, como o centro da cidade. Na época nem imaginava que a Cuiabá chegaria a esse tamanho. Cidade verde, escutava à época . Mam ãe, analfabeta, precisava pegar ônibus para ir ao centro resolver alguma documentaçã o, quest ão de saúde, ou até mesmo buscar alimentos para a famí lia, doa ções de algumas instituições de caridade. Sou a terceira dos nove filhos que meus pais tiveram. Ela sempre pedia aos dois primeiros dos filhos para irem com ela ao centro, um por vez, em ordem decrescente. Era cer

Pés Descalços 07 | Achadas e Perdidas

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Achadas e Perdidas Certa vez ouvi uma pessoa dizendo que as mulheres que moram em uma comunidade, na zona rural, perto do sítio onde minha mãe cresceu eram conhecidas como “Mariadizéfa, Mariadipedro, Mariadijão, Mariaditonho...” Interrompi a conversa, perguntei por que tantas mulheres da redondeza tinham nome que começava com Maria e a pessoa respondeu: “Maria era o nome dado às mulheres daquele lugar, mas acrescentava-se os nomes dos maridos no final, para que todos soubessem de quem elas eram, ou de onde vinham.” Lembro de um caso de uma vizinha, órfã de mãe, desde adolescente que cuidava da família. Limpava a casa, lavava, passava, cozinhava e cuidava dos irmãos mais novos, até do mais velho, além do pai, viúvo. Família que teve de lidar com os preconceitos que os seguiam desde quando a falecida contraiu tuberculose. A caçula era uns cinco anos mais nova que eu. Éramos aconselhadas a não beber água no mesmo copo, não ter contato físico, evitar que falassem perto de nós. Quando em

Pés Descalços 06 | NATUREZA

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                                                                          NATUREZA Caminho pelo parque Tia Nair, enquanto o vento me enche de lembranças. A ilha vai se enchendo de cantoria e do brincar. Nas bordas do lago, um arco íris atua em forma de passarela. O cenário de agora é outro. Jardim Itália, Alphaville, Renascer, Avenida das Torres. Meus pais sempre falaram: “adquirir uma casa traz dignidade para a família!”. Dentre as lembranças da infância, uma me acompanha até hoje, a de uma tia que não tinha casa e vivia de alugar os fundos de outras residências. Muitas famílias vinham da zona rural para a cidade em busca de melhorar de vida. Gostava de brincar com as primas, filhas dessa tia. Brincávamos de casinha, bonecas, lutas marciais, inventávamos e impúnhamos as próprias regras. Em um determinado dia as brincadeiras foram interrompidas pelo movimento na rua principal do bairro, bem a frente de onde eu morava. As pessoas seguiam para o lado sul, próximo das terras do “dotor”, c

Pés Descalços 05 | FARTURA

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                                                                          FARTURA Minha tia, às vésperas de natal, convidou-me para irmos ao centro pegar cestas básicas que seriam distribuídas para as pessoas carentes, para quem tinha os tíquetes, iguais aos dela. Não sei com quantos anos eu estava, mas ainda passava por baixo da roleta do ônibus. Foi um dos motivos de ter recebido o convite, não pagaria a passagem; outro seria cuidar do primo enquanto ela pegasse as cestas.        Haveria também lanches, brinquedos e parque de diversão. O local de distribuição era no parque de exposição. O nome era atrativo “parque” e eu sempre imaginativa. Chegamos ao local às oito da manhã e o sol já batia forte em nossos couros. Naquele dia, o parque de diversão que eu havia sonhado, como nos filmes de Hollywood, abriu espaço para corpos famintos, parecidos como aqueles pintados por Portinari, só que em um cenário agro de Matogrosso. Nós: eu e tia fazíamos parte da pintura. Passava das dez da manhã