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Mostrando postagens com o rótulo prosa poética

Uma prosa poética / Ana Cecília Romeu

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Fotografia por Luíse Rodrigues da Costa - Bolero en El Ateneo Grand Splendid - por Ana Cecília Romeu Buenos Aires, outono. A mulher estava no café da livraria, alojado no palco do que antes fora o teatro homônimo, atestando se aquela era de fato a segunda mais bela loja de livros de todo o mundo. Sentou-se à mesa de canto segurando uma antologia de Cortázar, edição de luxo, capa dura em dedos macios. Sorvia o café meio-forte, folheando-a aleatoriamente ao deixar que o destino e seus sortilégios elegessem um futuro mais claro, como quem se esquece da bola de cristal, mas ainda crê nos reflexos das bolhas de sabão. Com os aromas do café, de seu perfume preferido e da tinta fresca na parede lateral, abriu à página 44: “Fui una letra de tango Para tu indiferente melodia.” * Apertou com o indicador direito as duas gotas de café que, indisciplinadas, saltaram da xícara. Entre suas digitais, sonhos furtivos e toda a eternidade, disse-lhe o poeta o que não ousou contestar. Estava

Uma prosa poética - por Sandra Modesto

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Arthur Braginsky PRECISEI FALAR COM DEUS por Sandra Modesto A sala gelada Luna numa maca usando uma vestimenta estranha. Uma equipe preparando – a. Ela assistindo ao vivo. Algumas agulhadas do lado esquerdo do peito. Tudo tranquilo até que a voz do homem de branco conta que não deu certo. _ Temos três minutos para tentar novamente. A mente de Luna vira do avesso. Ouviu uma ordem: _ Pode preparar rápido. Naquele momento Luna olhou pra o teto.   Até então nunca tinha ficado em silêncio com Deus.   Era uma tarde de agosto em um hospital a cento e cinquenta de distância.   Naquele mês interminável. “É o seguinte, cara, se você achar que não tem mais jeito, meu coração está fraco e chegou minha hora, cuida bem dos meus filhos, abrace- os todas as manhãs”. Não os desampare, nunca. Não deixa ninguém se apoderar dos meus livros. Não sei se você se lembra de quando eu tinha quatro anos e minha avó me levava aos cultos evangélicos. Eu não entendia bulhufas. Depo

Breves anotações sobre o tempo e o (a)mar - Rejane Dockhorn

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Monika Luniak Uma prosa poética - por  Rejane Dockhorn onde iremos amar onde irão se passar os dias mais serenos e todas nossas conversas de vida, presenças e ausências de esperança na areia macia e branca que guarda o sal que o mar deixou e onde nossos passos de sonhos ficam por breves minutos marcados depois são apagados se misturando a todos demais no mar pelas ruas de Lisboa, de Roma, de Siena, de Veneza, de Atenas, de Viena, de Strassburg, de Paris, de Toulouse, de Amsterdam, de Bruxelas, em Bremen, em Dresden onde a história nasceu antes daqui, já ergueu e derrubou catedrais, o vento frio varreu das almas utopias, separou homens e mulheres por muros e ideologias, onde se ouviu o canto de grandes vitórias e derrotas, referências de civilidade e coragem na Lübeck de Mann, na Göttingen dos Grimm, na Berlim de Brecht, na Köln de Böll, na Suiça de Frisch em Andorra nos pampas do sul próximo à fronteira onde Giuseppe e Manoela Garibaldi e Anita fizeram juras de am

Uma Prosa Poética - por Roberta Gasparotto

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Desenho por W Patrick mulher-peixe Por Roberta Gasparotto  Lugar marginal. Meu lugar aqui nesse planeta sempre foi marginal. Olhar de estranheza. Olhar de cansaço. Olhar de inadaptação. Completamente inadaptada em espaços de exibição. Em lugares onde imperam a cacofonia de ideias. De pensamentos. Expressões por vezes caricatas, porque não genuínas. Socorro! Tem alguém para me dar uma carona para Marte? Repousar em um lugar quentinho e confortável. Ou nem precisa ser tão confortável assim. Aliás, nem precisa ser confortável. Só um lugar onde as pessoas tenham o desejo sincero de se mostrar. Mostro tanto meu rosto para você, querido leitor, na esperança de você me mostrar o seu também. Vejo tantas máscaras e tão poucos rostos de pessoas. Isso me dói. Sei que ninguém faz isso por mal. Não é maldade, é defesa.  Defesa afasta. E eu quero proximidades. Enquanto isso não acontece, ou pelo menos não acontece com a frequência que eu gostaria, vou me virand

De epitáfios e pétalas flutuantes - Chris Herrmann

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Arte de Luciane Valença De epitáfios e pétalas  - poemas e prosas poéticas de Chris Herrmann Todos vamos morrer de alguma coisa.  Eu queria morrer de poesia. ꧁ ☬ ꧂ Contracapa quando eu morrer - se for de poesia - não se esqueçam  de virar a página! ꧁ ☬ ꧂ Epitáfio I enfim, a superlua em alta resolução Epitáfio II Farfalhei leve entre as flores, e levando a lembrança de todos os meus amores, vou sem pesar. Epitáfio III foi um Rio que (sempre) passou em sua vida apesar dos amares a dividirem apesar dos poemas a afogarem apesar dos pesares a penas a levarem ꧁ ☬ ꧂ Das Asas antes do último suspiro, ele rascunhou o epitáfio: "aqui jaz apenas um ser humano como outro qualquer: como um outro homem como uma outra mulher" seu companheiro mandou acrescentar na lápide: "tão humano que dá pena que dá asas de saudade que a saudade é tanta que jaz não me c

Duas prosas poéticas e irreverentes - Chris Herrmann

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Arte de Luciane Valença Nietzsche conto! Dia desses, fui tomar um Schopenhauer e degustar um Platão de batatas fritas. Na hora de pagar, não tinha um Mileto sequer. “Descartes o cartão de crédito, pois só aceitamos dinheiro”, disse o Euclides. “Meu Deleuze”, pensei! Voltaire a mexer na minha bolsa como quem tira e Sócrates tudo no mesmo Kant e nada! “Você é uma Sêneca!”, Foucault em mim um sujeito cheio de Spinoza no rosto. Respondi que não faço isso por Hobbes. A coisa ficou Rousseau!! Nisso, quando pensei que me Freud toda, o Hegel do meu amigo apareceu e pagou tudo em Marcuse alemão. E o Euclides: Sartre fora! Arte de Luciane Valença Caderno de notas etílicas Ouvia que Brahms era um bom Vivaldi e adorava um Chopin com os amigos. Fiquei Verdi! Antes que alguém reclamasse que me Debussy na mesa depois de Dvorák todo o estoque do Bach... Fui lá, Paganini a conta e sumi da Ária.

Uma Prosa Poética por Bárbara Lia

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Fotografia por Mdorea Para Sylvia Plath, quando ela era menina Bárbara Lia     Um céu / sem estrelas e sem pai: uma água negra Sylvia Plath     P oint Shirley. A vida protegida feito um navio em uma garrafa - um mito branco e obsoleto - passagem granulada de ternura de um mar onde se recolhe conchas para um pai que se adora. Sylvia e seu elemento primeiro - a água. O mar e a pacífica entrada no mundo. Antes do peso dos pés gangrenados de Otho puxarem-na para o mar profundo da inconformidade. Lavar com sal marinho o sorriso expandido. Secar este sal na pele até doer mais que ferroada de abelha. Princesa que não chegou a ser rainha. Concha que matou a pérola. Um caminho estendido de areias e oceano. Um pai a desvendar a vida social das abelhas e a enclausurar a abelha pequena em uma caixa de interrogações: tenho um eu a recuperar, uma rainha estará ela morta, estará dormindo? onde tem ela andado, com seu corpo vermelho-leão, suas asas de vidro? (1)

Poemas e prosa poética de Nic Cardeal - por causa da Mulher

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Fotografia de Paulo H. Camargo Batista REDEMOINHOS Tua mão na rede não é peixe - nem espere que eu te diga onde fica a isca. Que diabo de poeira essa a turvar os olhos, a alma, os sentidos, não sei dizer se 'inda te acredito quando vens depois das seis, de mês em mês, e esqueces o chapéu sobre o jornal. Tua mão na minha garganta gasta é como sede escondida depois da seca. Nem espere que eu te dê a minha veia, se já não sabes beber a minha sina, se não deitas a alma em minha cama, e nem te lembras do meu nome depois da mesa. Que sinal de fim de tempo esse quando te demoras na esquina, esperando um vento, um torvelinho, uma onda em espiral - redemoinho de saudade - (foi assim que me disseste quando abriste a porta e jogaste a chave). Nunca mais pé de vento - foi apenas um temporal que passou em minha vida ao largo do caminho sem saída. Tua mão na rede nunca foi anzol. Arte de Adam Martinakis JÁ DEU FLOR Eu sou o mi