Uma Prosa Poética - por Roberta Gasparotto


Desenho por W Patrick


mulher-peixe
Por Roberta Gasparotto 

Lugar marginal. Meu lugar aqui nesse planeta sempre foi marginal.
Olhar de estranheza. Olhar de cansaço. Olhar de inadaptação.
Completamente inadaptada em espaços de exibição.
Em lugares onde imperam a cacofonia de ideias.
De pensamentos.
Expressões por vezes caricatas, porque não genuínas.
Socorro! Tem alguém para me dar uma carona para Marte?
Repousar em um lugar quentinho e confortável. Ou nem precisa ser tão confortável assim. Aliás, nem precisa ser confortável. Só um lugar onde as pessoas tenham o desejo sincero de se mostrar.
Mostro tanto meu rosto para você, querido leitor, na esperança de você me mostrar o seu também.
Vejo tantas máscaras e tão poucos rostos de pessoas.
Isso me dói.
Sei que ninguém faz isso por mal. Não é maldade, é defesa. 
Defesa afasta. E eu quero proximidades.
Enquanto isso não acontece, ou pelo menos não acontece com a frequência que eu gostaria, vou me virando como posso.
Com o material que me é disponível. Meu material humano armazenado em tantos anos de exílio.
Com os encontros sinceros que me são possíveis e me nutrem. Graças a Deus os tenho!
Mas me vejo cada vez mais gulosa. Quero cada vez mais pessoas de verdade perto de mim.
Pessoas que tenham a coragem e a ousadia de, assim como eu, mostrarem sua dor, sua fragilidade, e, nessa cumplicidade, que ambos saiamos mais humanos, porque mais próximos, porque mais verdadeiros, porque mais íntegros.
Infelizmente isso está longe de constituir a maioria das pessoas. Entrar em contato com a dor, é claro, dói. Dói demais. Dói visceralmente. Talvez coragem para poucos.
Então entendo o movimento das pessoas de buscarem futilidades, buscarem superficialidades, inclusive no contato interpessoal.
Mas simplesmente não é minha praia. E vejo cada vez mais clara e profundamente isso.
E vou aprofundando meus relacionamentos que são verdadeiramente profundos e me afastando dos rasos.
Experiência interessante e paradoxal: águas rasas me deixam sem ar, esvaziam meus pulmões. Já águas profundas, me preenchem de uma forma gostosa e aquecida. Acabo de constatar que acho que não sou humana, sou uma mulher-peixe – só sei nadar em águas abissais, as rasas não foram feitas para a minha natureza.
Sim... Mulher-peixe, tá explicado todo esse meu mal estar.
Mulher-peixe sempre à procura da sua turma, do seu lar e do seu ressoar.




ROBERTA GASPAROTTO é gaúcha de Passo Fundo, mas reside em Brasília desde os seus quatro anos de idade.
Formou-se em Psicologia e trabalha com crianças e adolescentes vítimas de violência. É pós-graduada em Língua Portuguesa, com ênfase em produção textual, já intuindo, talvez, que seguiria no mundo da escrita.

Atualmente divide seu tempo entre trabalho, filhos e os escritos que publica nas redes sociais, como uma forma de partilhar seus anseios, angústias e questionamentos. Além de crônicas, poemas e contos sobre assuntos diversos, possui mais de duzentos e cinquenta poemas com nomes de mulheres e está sempre aberta para novas parcerias poéticas.

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