Cinco poemas da Escritora e Atriz Lota Moncada




Todo dia cai

todo dia cai 
um porta-retratos
vento não gosta 
de passado

deixa deitado
me dizem
assim o vidro 
não quebra

mas quero ver 
de relance 
a sombra da vida 
que era

**

Ouso me olhar

Hoje, a paz veio me abraçar.
E uma aragem me despenteia e
arranca do meu miúdo silêncio.

Aprendi a ameigar, abrandar
até quase desaparecer.
Mas, cresço, corro, voo, chego, e fico.
Visto a roupa da coragem,
porque é preciso. Só sendo aluado,
um tanto doido, desatinado,
para se olhar de frente, e se ver,
para achar onde pousar a vertigem,
a adrenalina desbordada, tanta vida
maltrapilha, tanta ferida sangrada.

Noiva do vento descubro-me ar,
que me expira e te inspira,
que filtra a existência e te penetra,
me respira, me pulsa e te prenuncia,
no precioso ato de sorver a vida.
Sou a musa de um olhar,
a espada do encanto, a atriz
da fábula sem fala, a bruxa
do conto. Sou a que teme,
mas chega. A alma que vem
e a que foge, a que se enrola
no teu sopro, te despe e,
arrebatadamente, te toma e se dá.

Tão-somente porque ouso me olhar.


Para Marielle

onde se planta 
uma bala
nasce uma flor

das quatro
que te mataram
nascemos nós

mulheres semente
plenas da tua voz


Presa 

fiquei presa 
entre coração 
e língua 
entre garganta 
e vogais 
entre dentes 
e saliva 
entre bocas 
ronronando 
obscenas 
consoantes 
e a força 
ineludível 
deste meu 
predador 
baixo ventre

**
Ni esto ni aquello 

ni verso ni prosa 
ni rima ni estrofa 
letra peligrosa 
esta triste mofa 
que inhibe y que acosa 
ni escribe ni borra 
con lápiz o tinta 
palabra bizarra 
esta que no se ahorra 
y no se acepta extinta


Ilustrações : Aquarelas de Luciane Valença


Lota Moncada (Santiago de Chile, 1948) filha de pai chileno, poeta, e mãe uruguaia, atriz, foi criada no Uruguai, e naturalizada brasileira, em Curitiba onde morou por 18 anos. Atualmente mora em Porto Alegre. Atriz profissional há 54 anos, Licenciada em Filosofia, pós-graduada em Linguística Aplicada  é professora de Espanhol e Português para Estrangeiros, tradutora e escritora. Embora escreva - fundamentalmente poesia - desde criança, só se permitiu publicar a partir de 2010, no seu blog bilíngue Palavras Palabras (http://palavraspalabras.blogspot.com), na internet, e em algumas antologias: `Ecos da alma´ e `O segredo da crisálida´ (Andross–SP- 2010 e 2011), `Una isla en la isla´ (prêmio de poesia em espanhol de Latin Heritage Foundation- EUA, 2011), `Poesia do Brasil´ - Vol. 17 (Bento Gonçalves RS- 2013), `Cantos Breves´ (Pará, 2015), `Blasfêmeas, mulheres de palavra´ (Casa Verde – P. Alegre, 2016); a tradução ao português e a organização da antologia bilíngue, junto com o poeta Ricardo Silvestrin, de `Habito um país distante´ do poeta chileno Julio Moncada, seu pai, editora Artes & Ecos – RS, 2017. 
Em 2018 participou da coletânea de minicontos `Sem/cem palavras´,  pela Editora Bestiário, RS e em 2019 no segundo volume de minicontos, `Outras Sem/Cem palavras ´, pela mesma editora.
O primeiro livro individual de poesia, `a menor ideia´, foi lançado pela Editora Bestiário, RS em 10 de julho de 2018. 
Além de livros, tem publicado em revistas literárias como: Mallarmargens, Como eu escrevo, Revista Literatura & Fechadura, O poema do poeta, e nas revistas impresas: Gente de Palavra e Entreverbo, no próprio blog Palavras Palabras e na sua página no Facebook.
Tem 2 Cds de poemas gravados por ela e em projeto, para este ano de 2020, o terceiro Cd que inclui várias canções compostas por diferentes parceiros com letra de seus poemas. 




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