A Voz Literária | Essa questão do Amazonas na República da Morte

| Coluna 1 |


Essa questão do Amazonas na República da Morte

por Cristiane Tolomei


Na antiga República das Bananas, hoje conhecida como a República da Morte, a cada instante há notícias que chocam os brasileiros e os estrangeiros. Assistir às cenas dos hospitais de Manaus, no Amazonas, como cemitérios humanos por falta de oxigênio é assolador. O leito dos pacientes tornou-se câmara da morte, dessa vez sem gás e sem oxigênio, somente o vazio nos pulmões daqueles que precisavam do elemento mais básico de sobrevivência. 

Falar do descaso dos loucos que estão no poder federal é notícia corriqueira, infelizmente; agora, familiares e amigos comprando oxigênio, carregando nas próprias mãos e entrando desesperados nos hospitais foi uma cena que perdurará nas mentes de toda a população. A justificativa dada pelos governantes é a logística, pois o estado do Amazonas é longe e de difícil acesso, logo, a demora para o envio dos cilindros de oxigênio. Como longe? É Brasil, e por mais que muitos aqui não entendam isso, discriminando as regiões Norte e Nordeste do país, é preciso abandonar preconceitos e unir forças diante desse caos. 

Na literatura, Manaus já foi cantada e contada de muitas formas: mítica, exótica, misteriosa, real, humana, enfim, infinidades de leituras sobre a capital amazonense. O escritor brasileiro Milton Hatoum, conhecido por colocar em tela Manaus em suas narrativas, já que passou a infância ali, afirma sempre: “a Amazônia ainda é desconhecida dos brasileiros”, daí o olhar atento sobre as relações humanas, culturais, políticas e econômicas dessa cidade, ampliando para o estado, em sua obra para descortinar a realidade daquele grande pedaço de chão do Brasil à população. 

Euclides da Cunha chamava o estado do Amazonas de deserto em virtude daquilo que acreditava ser um espaço sem cultura, leitura que ecoa até hoje na mente dos desavisados ou desalmados. Já, volto a citar, Hatoum traz em seus romances, sobretudo, Dois Irmãos (2000), a descrição de uma Manaus dinâmica e plural, destoando das visões simplistas e unilaterais realizadas por alguns autores. Nesse sentido, por meio de uma linguagem literária marcada por aspectos linguísticos multiculturais, o escritor realiza uma intervenção no âmbito social, econômico e cultural da capital amazonense. 

Hatoum é apenas um no rol de autores amazonenses que pensam e divulgam as questões sociais e econômicas do estado, além de divulgarem a riqueza multicultural, por exemplo, Aldísio Filgueiras, Erasmo Linhares, Márcio Souza, Ana Peixoto, para citar alguns. Entretanto, esses autores e tantos outros nunca imaginariam, algum dia, descreverem as cenas cruéis que dominam o noticiário mundial de sua querida Manaus na atualidade. 

Da câmara da morte dos hospitais para as valas comuns dos cemitérios, os corpos mortos, não pelo COVID-19, mas pela falta de políticas públicas, são tratados como lixo e amontoados um ao lado do outro em buracos malfeitos, para a tristeza de todos nós. Desse modo, não posso deixar de lembrar os versos do saudoso João Cabral de Melo Neto, que no contexto da seca nordestina, já anunciava o destino dos brasileiros pobres, restando a eles somente “– Essa cova em que estás, com palmos medida, é a conta menor que tiraste em vida. – É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe deste latifúndio”. 

Até quando?





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