De Prosa & Arte | Cumpleaños


Coluna 01

Cumpleaños



Aqui no alto da meia idade, beirando a faixa da loba já me antecipei e venho uivando pra Lua a algum tempo.

Decidi que não esperar pelo futuro porque o sinto traiçoeiro e sempre me escapa no amanhã, no próximo minuto… ops, já perdi um tanto do futuro enquanto escrevo essas linhas. Vou curtir o agora, esse instante, amar aquilo que me vem de graça ou talvez por merecimento.


Tive mil desejos de amor romântico e para sempre. Amar todavia não é tão harmonioso e complacente e talvez nem seja pra sempre. Preparando modelos pré moldados socialmente no casamento: as bodas são custosas, dramáticas, cansam e invariavelmente doem.

Ampliar formação acadêmica que às vezes não serve pro uso que se quer dar a existência.

Ser mãe como missão ou condição imposta pelo sistema patriarcal que nos atribui amor incondicional, constante e santo. Nessa peleja tenho 8 anos meus filhos tem 16 e 14 numa conta que não bate sem regra de três, é difícil “pacaramba”. Às vezes lhe rouba a identidade, o epíteto deixa de ser nominal resume-se a três pequenas letras que parecem se encerrar ali. Não há arrependimentos porém há que se fazer muita reflexão e não sem contendas.


A mais ou menos 4 anos decidi ser apenas eu. 

O alguém que almejei. Agora que sou é assustador!


Tô na contramão de tudo que esperava no futuro. Sou irresponsável. Eu bebo e dou gargalhadas estridentes, sei que preciso estudar mais e tenho preguiça. Preciso de exercícios físicos regulares e uma alimentação mais equilibrada, mas me rendo adoro fast food, fritura e chocolate.

A ideia era ser uma mãe perfeita,  mas em casa quem cozinha e lava a louça são os filhos.

Queria ser equilibrada mas choro todo dia: de saudade, de medo, de raiva, de tristeza, de dor, de angústia, de alegria, de rir, de paixão, de desamor. Eu chorei demais no passado, choro no presente e no futuro sei que também já chorei mágoas passadas.


Agora mesmo, olhando o reflexo no espelho: vejo rugas, cabelos brancos, celulite, a implacável lei da gravidade puxando tudo que tenho em excesso pra baixo.

Lembro da infância. Suspiro. Quando olho o verde insistente ancorado e brotando na minha janela, quando imagino meus filhos saindo de casa pra alçar vôos maiores, quando penso que o próximo minuto pode ser o derradeiro.


Então dou mais um trago, ouço minhas canções favoritas: politizadas, feministas, cheias de palavrões e alcunhas dos meus ídolos e canto pontos, nem sempre nessa ordem. Acendo velas, incensos, uso meu difusor pessoal com essências que me tornam o caráter duvidoso, mando mensagem pra minha terapeuta dizendo que hoje tá tudo bem, mas amanhã que é o futuro que eu espero não sei não… Que me ajude!

Ela ri e diz: alecrim pra mudar as coisas que pode e Lavanda pra aceitar as que não mudam nunca. Resiliência…


Eu celebro meus meus cumpleaños. Porque nasci aos 45 do segundo tempo e foi um golaço!


Amadurecer é envergar-se a realidade, é cultivar sabedoria, acalmar a pulsação e acelerar a calmaria. Eu tô bem agora perdi boa parte daquela vaidade que enche o ego e turva a visão. Embora a modéstia não seja meu forte!


Desviei de pessoas que me enchem do vazio torpe das suas loucuras,  já administro as minhas pirações e não são poucas. Me aproximei de quem me encanta o cheiro e o gosto.

Amei tudo que me veio como um recém nascido e em livre demanda, bebi até a última gota de todo o choro e gozo caudaloso que vivenciei. Sou livre nas entranhas e quem me estranha assim ainda não me conhece.


Botei foco no que tá sob meu olhar - casa, filhos, relacionamento, trabalho - renasci pra minha espiritualidade e sinto meus protetores próximos. Sou grata ao Astral por me acolher toda vez que eu me perdi. Tô querendo me rebatizar Movida pela pergunta capciosa do meu ex professor de canto D. Sampaio: Você tem um nome artístico?!


Eu ri por dentro e com minha modéstia habitual pensei: Oxi… mais artístico que Guiniver? 


Essa sanha de rebatismo é vontade de retomada ancestral e de louvação a mulher que venho me tornando. Então pesquisando nomes africanos, pensei: Guiniver Ituri que significa cheirando a doce, por causa da aromaterapia, mas doçura não é meu modus operandi.

Talvez Guiniver Lubaya - Leoa Jovem - mas não sou tão jovem e tô mais pra Loba em  determinação de caça. Quem sabe Guiniver Winda? Caçadora… mas achei que ia pegar mal lá em casa. Guiniver Fahari - esplendorosa - auto estima demais, decerto.

Soa bem Guiniver Kanoni - pequeno pássaro - achei humilde, despretensioso e um pequeno pássaro pode alçar os voos aos picos onde ainda desejo planar. Não decidi e talvez nem seja necessário. 


Eu já me banhei nas águas doces de Oxum.

Já entoei cânticos a beira mar pra Yemanja.

Já dancei ijexá pra Nanã. 

Senti fluir em mim a energia de Oxóssi.

A força aguerrida de Ogum. 

A justiça implacável de Xangô.

E sei que tenho a proteção e o caminho que um Guardião de Porteiras me mostra.

Liberdade, sigo buscando a minha. Porque mulher liberta incomoda, enrijece quem vive de “bons costumes” e apavora a geral. 


Aqui dentro dessa cápsula-corpo-cosmos, eu habito meus anos de permissão do universo nessa breve passagem. Estar tão dentro de mim é doloroso e esquizofrênico, mas é também reconfortante. Ando me permitindo excessos, pois vivi muito mais de três dezenas de anos sendo o que se esperava de uma mulher “bela, recatada e do lar”.


Eclodir é necessário. Avante!


Todo recuo seja estratégia de ataque pra observar o oponente com respeito. 

Quem tá no front, tá!

Não pode dar bobeira.

Punho em riste, mente aberta, coração pulsante, paixão, força motriz dos meus dias e Sonhos avessos. Ah, e é só?

Não, também tem um bocado e tanto de magia, militância, unção, benção e poesia. Segue a rota da emancipação.





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