Conto | Sexta-feira 13, por Jeane Tertuliano


|Coluna 08|

Uma garota não deveria nutrir tanto apreço pelo obscuro, afinal, o que se esperava de uma miúda gentil, era justamente o oposto. Lindsay falava pouco, mas observava tudo. Pequenina feito um botão de rosa, era vista frequentemente chorosa por sentir as dores do mundo que apenas ela parecia ser capaz de compreender. Quem diria que aquela criatura submersa em timidez cresceria e aprenderia a falar a língua incongruente do mal? Há quem ouse afirmar que Lind foi beijada pelo anjo da morte após perder seus pais num terrível acidente de carro. Até dizem que a sua pele adquiriu uma lividez mórbida depois do ocorrido.

Apaixonada pelos clássicos do terror, a jovem colecionava livros de teor hediondo. Ninguém em sã consciência leria aquelas narrativas malditas. Lindsay, era uma moça peculiar e a estranheza que revestia os seus gestos na infância parecia determinada a permanecer intrincada à sua essência. Isolada num casebre apartado da vizinhança, não demorou muito para que a perversidade adentrasse a solidão palpável de Lindsay. De tanto sofrer bullying na escola, desistiu do colegial. No fundo, a pobre moça queria apenas ser acolhida, porque há muito vivia sozinha com a sua mente barulhenta.

Por vários dias, os rapazes infames que cobriam as janelas da casinhola de ovos podres, não avistaram o olhar enfadonho da jovem macambúzia. Os galhos ressequidos das árvores em falência que rodeavam a casinha pareciam ainda mais envergados, perdendo quase que inteiramente o viço da existência. Frequentemente se podia vislumbrar corvos sobrevoando o telhado, agourando o fim iminente de Lind, que na realidade já havia falecido juntamente aos seus genitores, afinal de contas, a vida lhe dera apenas dissabores conforme o passar dos anos.

Era uma sexta-feira 13, a ausência da lua banhava a noite de trevas. Os mesmos jovens que visitavam continuamente a casa de Lindsay, decidiram que seria horrorshow invadir o casebre à procura da garota asquerosa que toda a cidade parecia amar repudiar. O crocitar das aves lúgubres saqueavam o silêncio e eriçavam os pelos nos corpos maldosos dos quase-homens que almejavam cometer atrocidades contra a tristonha e taciturna adolescente.

Armados com lanternas que agrediram brutalmente a escuridão, os três violadores penetraram o recinto melancólico, desrespeitando a quietude do local ao destruírem os objetos que avistaram nos móveis empoeirados. A sala fedia a mofo e um deles, tendo a rinite inflamada, espirrou diversas vezes, impossibilitando que os demais intrusos ouvissem os rastejos advindos do cubículo ao lado da estante repleta de livros.

Um grito estridente irrompeu, enchendo o cômodo de terror e tremeluzindo os clarões das lanternas amedrontadas. Ninguém podia enxergar, mas a escuridão presenciou o momento em que Lindsay agarrou a panturrilha direita do jovem que havia espirrado, mordendo-a com voracidade, fazendo com que o sangue pútrido do garoto jorrasse no piso. Os demais entraram em desespero, perguntando ao autor do urro o motivo do alvoroço, ao que ele respondeu com um estrondoso silêncio.

Ansiosos por sair dali, se estapearam em busca da saída que parecia estar absurdamente distante. O sangue lambuzando o chão ocasionou a queda dos malfeitores que choravam, urravam de pavor, temendo pelas próprias vidas. A última lanterna caída no chão, rodopiava doidamente como se uma força invisível a movesse de um lado para o outro, apavorando aqueles que já se viam reféns do incomensurável horror.

Passados alguns instantes que pareceram uma eternidade para os chorosos rapazes, a lanterna estagnou de súbito, mirando o rosto cadavérico de uma Lindsay que os presenteou com um sorriso monstruoso encharcado por um líquido rubro viscoso, murmurando a seguinte frase: “não há nada a ser violado aqui, valentões”.



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