Três poemas de Samanta Aquino | "Na fronte da esperança"

 


Três poemas de Samanta Aquino


Na fronte da esperança.

- In memoriam Josina Machel (1945 -1971).

Nem as estrelas de carbono,

Conseguem compreender seu brilho.

Você tinha a minha idade,

Quando resolveu lutar,

Quando viu que a maldade,

Impedia seu povo de sonhar.

Você negou ir embora desta terra,

Que te prendeu no primeiro olhar.

Ir para a Europa para quê?

Estudar na Suíça por qual razão?

Se esquivar de sua história,

Abandonar seu lar?

Você entendeu tudo o que aprendeu,

Sabia que nasceu,

Para fazer do seu país um lugar diferente

E da Terra um lugar eficiente,

Que fosse feito para respeitar,

Para que fosse oposto às ideias

Que queriam te ceifar,

Que queriam do seu solo rico arrancar.

Josina! O dia da mulher na sua nação

Tinha que ser o dia que você nasceu.

Temos que celebrar,

As diversas lutas que você venceu

E jamais comemorar que tão nova

Você nessa terra morreu.

Ah Josina! Nem que te tecessem

O vestido mais belo,

Nem que te coroassem

Com uma coroa de diamantes,

Fazendo devidos protocolos britânicos

Ou recorrendo aos tecidos mais exorbitantes,

Fabricados pelas mãos dos artesãos de Dhâka,

Cobrindo-te com o tecido de ar.

Nada se compara,

Nada poderia se equiparar,

Com o seu modo de pensar,

De querer transformar,

Os pensamentos retrógrados daqueles tempos frios,

Em que você presenciou,

Os sorrisos mais tristes que naquelas faces morou.

De tudo que vislumbrou,

Fez mais forte o seu protesto,

Fez imponente o progresso,

De várias mulheres que clamavam pela liberdade,

Pela igualdade dos gêneros e de governar.

Talvez você agora veja,

De um lugar mais privilegiado

O que tanto fazia seus olhos brilharem

E o que tanto seu coração desejava.

Moçambique sente orgulho de ti, Josina Machel!

Muito obrigada por lutar!


Imagem de Anja por Pixabay.

Despediu-se do amor.

Ela mora nos fundos da casa,

Em um quarto pequeno,

Divide a sua solidão,

Com as goteiras do teto.

Acorda pontualmente às 05:00 da matina,

Quando o serviço é na cozinha,

Faz a melhor comida e depois deixa tudo limpo,

Cada talher de prata, ou do jogo importado,

É devidamente polido.

Quando o serviço é no banheiro,

Ladrilho por ladrilho é encerado,

É deixado mais espelhado que deveras um espelho.

Ela não vê a família há anos,

Não viu os filhos crescerem,

Não ensinou nenhum deles a ler,

Não ensinou nenhum deles a escrever,

Quase não os ensinou a andar,

Se não fossem meninos espertos,

Orgulho que ela leva no peito.

Os dois, o primogênito e o caçula,

Andaram com onze meses,

Foi o tempo que ela teve ao lado dos dois,

Pegou um ônibus lotado,

Pegou um bilhete amassado,

Embrulhou a sorte e a pôs no bolso.

Agora ela estava tão distante,

Que olhava para a feijoada

E tentava imaginar seu acarajé,

Tempos em que vendia quentinhas na praia

E hoje, longe do mar,

Da sua liberdade de ser sereia,

Acorda, leva os filhos que adotou,

No coração grande que tem,

Para a escola, para o futebol.

Pensa em como os seus estão,

Queria trazer eles para perto,

Porém lembrou que o filho da sua amiga,

Veio para o serviço com ela,

Anjinho inocente, não pode voltar para casa,

Foi levado para o nono andar

E por Deus, carregado para o céu.


Imagem de jem040506 por Pixabay. 

Naufrágio.

Hoje tive insônia,

Estou como os gatos no meu telhado,

Apenas escutando o vento que uiva,

Que grita e chora, uma melodia

Tão amarga, tão insensível.

As melodias que o vento sonoro,

Bate nos galhos das árvores,

Acorda os poetas, os amantes,

E os seresteiros nada podem fazer,

É dia de tormenta, de tristeza.

Está frio, a roupagem da incerteza,

Da minha confusa natureza,

Não é o bastante pra me cobrir

Ou quem sabe, por decreto,

Me despir, me tirar esta carne ferida,

Estes olhos indecisos, este nó da garganta.

Lá estão os barcos, no alto-mar,

Ah, como eu os invejo!

Como eu os venero!

Grito daqui para me levarem,

Para qualquer imensidão,

Para qualquer vazio que me devolva a razão.

Nunca estive tão só, nunca senti

Tantos apertos, tantas dores, tantos desconcertos.

Se o inverno não acabar,

O que será de mim?

Vejo o vento me zombar,

Ele se arrisca, passa furioso em meu jardim,

Brinca, se deleita com a solidão deste sofredor

E depois vai embora a sorrir,

Louco a me desvairar, persuadir.

Ah, coração! Não há nada que me tire daqui.






Samanta Aquino, concluiu o 3º ano do Ensino Médio em 2019, na Escola Estadual “Bento Gonçalves”. É acadêmica efetiva da Academia Matozinhense de Letras, Ciências e Artes (AMALETRAS), cadeira 25 do segmento de Literatura, desde 2019. Participou de várias coletâneas em 2019 e 2020. Lançou, no ano de 2020, o seu primeiro livro: Memórias de Anne Rose. Participou da Antologia Fernando Pessoa e seus convidados, entre outras, pela editora Mágico de OZ, lançada no Brasil e em Portugal. Tomou posse como coordenadora do núcleo jovem da Associação Cultive Club Internacional d’Art Litterature et Solidarité, sediada em Genebra – Suíça, presidida por Valquíria G. Imperiano. Foi aprovada para receber o Prêmio “Melhores de 2020”, pela Associação Internacional De Escritores e Artistas (LITERARTE), na categoria poesia.



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