A POESIA E A PROSA POÉTICA DE ANNA MIRANDA MIRANDA | Projeto 8M

fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)

Hoje é dia de mergulhar na poesia  e na prosa poética da múltipla artista ANNA MIRANDA MIRANDA!


1)

 DO NADA

Esse nada
esse nada não chega
Esse nada          azulejos quebrados.                                                                  Estruturas  gigantes
                             criaturas/inseto
azul borrante na chuva

Esse nada não  é nada.
Esse nada é tão somente nada. 

Mas o assombro
O pavor dos dias
                       das noites gritantes
O limiar de uma espécie de desespero sonâmbulo
Engolfa o rigor das horas
No limbo do silêncio frágil 
e imperativo 
Do nada a ser dito
Do nada a ser feito

Esse nada que não é nada 
O que há além dele? 
Um nada a mais? Um nada a menos? 
Um nada na linha do horizonte
Um nada no fundo da terra 
Um nada/húmus/fundante/cratera
Um nada paralelo
                  Paralelepípedo/cósmico
janela de outros mundos
do nada? 

Nesse nada 
Que é tudo, que é todo
A inquietude balança 
magnífica 
Numa dança de nados, de nadas
onde o homem navega em esperas.

imagem do Pinterest 

-*-*-*-

2)

O MENSAGEIRO

(para Antônio Cunha)
 
uma imagem, uma voz, um gesto! 
escolhe qual preferes!
captura! cunha a medalha!
ah! não esquece o clima, o quarto, o guarda-roupa
e sobretudo o som
o entorno de penumbra...

põe tudo isso... oh, sim, põe tudo na medalha
como se o vento cortasse
a garganta jorrasse
a mão arabescasse no vitral da igreja.

no ribombar dos sinos
ouve
o coração da medalha
estufado em loucuras de perplexidade

encimando a medalha
o nome!
não esqueças o nome!
sim! o primeiro!
o nome grávido
o nome mastigado
o nome parido
o nome sonoro
o nome curtido
o nome que é sonho

entendeste bem?
esse nome cunhado
esse nome lavrado,
repartido, amado
ora, meu amigo,
esse nome
é
Antônio.

fotografia do arquivo pessoal de Antônio Cunha 

-*-*-*-


3)

LOAS AOS  FILHOS DOS CRISTAIS ABISSAIS

São os filhos dos cristais abissais
Sim, são eles que saem na mata virgem
Com suas lanças, lambanças e bornais
punhais de fogo sideral, fuligem

São esses filhos dos cristais abissais
que engolem o rio, a cachoeira, o vento
guardam no bolso fundo aquele alento
das cavernas antigas, crateras colossais

São eles! Os filhos dos cristais abissais
Governantes dos mares, terra, fogo e ar
Carinhosos navegantes naturais astrais
Que tudo vêem e em tudo a transmutar
Planejam o mundo em sutil futurismo
Desenhando arabescos em todos os abrigos
Deixando assim seus rastros imortais
Para que nós humanos saibamos que é possível
Viver na luz no sol na lua no riso
Com olhares profundos, secretos, abismais.

Saudação!

imagem do Facebook 
-*-*-*-


4)

DE SONHADORES

Um sonhador é quase sempre introspectivo. Não é um vidente ou astrólogo, mas sonha no presente, no passado e, de uma forma misteriosa, é arremessado ao futuro. O sonhador vislumbra coisas perdidas ou que podem ser refeitas, sem saber ao certo como isso acontece. Por ser feito de sonhos, o sonhador é volátil e etéreo, tem corpos místicos e corpos sensíveis ao que aparentemente não é visto. 
O sonhador é um fingidor: viver é pressa, é relógio, é estar presente no presente, mas os sonhos do sonhador não se encaixam em categorias ou compartimentos estabelecidos. De todos os seres humanos, talvez o sonhador sofra mais com certas perdas, pois elas se postam diante dele como um lençol, um estandarte, uma  estranha sensação de  despertencimento. 
O mais estranho é que, quanto mais a dura realidade lhe parece um fardo, mais ele sonha com outra realidade cheia de nuances, arabescos, portas, pássaros, janelas. Neste mundo caduco é difícil arrastar um sonho às últimas consequências, e se manter vivo e firme, sem achar que enlouqueceu. Mas o feitio do sonhador é um sonho, esse sonhar tem reino, um cetro e um habitar que jamais poderá ser apagado ou usurpado por ninguém. 
Um sonhador solitário e apaixonado tem mais caminhos inusitados a percorrer, porém, mesmo sem garantia ou apoio de supostos não sonhadores (enfiados no sonho da casa própria,  uma piscina, um carro, um iate), o sonhador é um bardo que canta a cantiga e sonha com o mundo em perspectivas totalmente diferentes.

imagem do Facebook 
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5)

AUGÚRIO 

(para Lindolf Bell)


Tu te sentes pendurada na borda
entre a dor, a solidão, o incandescente
Um poeta te encantou! 
Faz tanto tempo
E agora, talvez chegue o momento
de escrever poemas em seu rastro. 

fotografia de Lindolf Bell, por Davi Zocoli, Banco de Dados JSC

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6)

POEMA FÚNEBRE 

Preciso deixar que essas mortes morram, já que foram tantas
Mas eu as agarro pelo colarinho, tentando revivê-las
Sacudindo as máscaras bizarras das mortes, quero recriá-las, iludi-las, amá-las até a exaustão
Por acaso quero viver de mortes morridas, sem meu consentimento? 

Não permiti que morressem! 
Usei a camaradagem da morbidez disfarçada.

Eu as agarro de novo e digo: Morram!
Elas me agarram, dizendo: Não vamos morrer! 
Sabem que falo da boca para fora, como são espertas!
Translúcidas, serenas, em seu odor fúnebre
Em seu riso fétido
Em seu bolor verde de pão dormido em sacos de padaria.

Por acaso quero viver de mortes morridas? 
Me faço essa pergunta a cada instante
Sabendo que vivo de mortes - mas não dessas mortes!
Sabendo que vivo de vidas - mas não dessas vidas!

O motivo de insistir em manter essas mortes é desconhecido? 
Ou é insidiosamente familiar? 
Guardei as mortes no armário arrebentado do porão, como troféus de glórias 
Coroei as mortes com flores silvestres de um campo minado
Enfeitei as mortes com guirlandas e sobras da árvore de Natal: 
As mortes gritam e choram e tiram sarro da minha cara
Preciso deixar que derretam como cera de vela
O que sobrar sou eu!!
Sim! Eu mesma!
E isso é simplesmente assustador.

-*-*-*-

capa do disco Tropicálido


7)

IMPROVISO

Essa coisa em mim
Rarefeita  feita  malfeita
Entrincheirada na caverna das coisas
Imprensada no calor/inverno do meu tempo
O que é isso? 
Eu já soube. Agora não sei mais.
Tudo some do nada
Tudo brota do imprevisto do concreto
armado
Tudo dorme e ressona     sem o viço do amado
Tudo pousa e repousa      na traseira do mundo
Tudo lampeja um som louco, perdido

Va ga bun do.

Auréola de canto
Esvaziado em sombras
Auréola de encanto
Esparramado em becos
Beco/berço profundo 
Da solidão desses dias
Tessitura de febre
................                num mar de água fria.

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8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas' iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.

** os poemas e prosa poética aqui reunidos foram extraídos da página da autora Anna Miranda Miranda, no Facebook. 


fotografia do arquivo pessoal da autora 

ANNA MIRANDA MIRANDA é escritora, cronista, compositora, poeta, contadora de histórias e cantora. É formada em Comunicação Social pela PUC/RJ. Escreve desde os doze anos. Começou com a crônica e a prosa, inspirada no cronista Rubem Braga. Lendo Carlos Drummond de Andrade, resolveu também enveredar pela poesia. No período acadêmico fez parte do grupo de editores da Revista Poetagem, onde publicou verso e prosa. Foi gerente do Projeto Torquato Neto, da Secretaria de Educação do Piauí, onde foi gravado o disco coletivo Cantares. Atuou, ainda, como Coordenadora de Editoração da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, em Teresina/PI, onde era publicada a revista Cadernos de Teresina e livros de vários autores piauienses. Depois de um longo tempo cantando e fazendo shows, em 2019 voltou à poesia, participando da coleção Anima II, o que lhe possibilitou o contato com uma extensa rede de poetas. A partir de 2020 passou a publicar poemas inspirados em imagens, nas páginas do Facebook. Seus textos também passaram a ser interpretados pelo ator e dramaturgo Antônio Cunha, no canal do YouTube. Em consequência dessas divulgações, foi convidada por Artur Gomes para uma entrevista no site de Poesia Falada, onde também foram publicados seus poemas. 

Participação em antologias e/ou coletâneas: Coletânea Anima II (org. Daniela Pace Devisate, 2018); Antologia de Escritoras Piauisenses - século XIX à contemporaneidade (org. Marleide Lins, Algemira Mendes e Olívia Rocha); Antologia Escrituras da Menarca (Selo Hecatombe, Editora Urutau/2021). 

Livros publicados: Prova de Fogo (poesia, prefácio de Leila Miccolis, lançamento no I Festival das Mulheres nas Artes, em São Paulo/SP, 1982); A tartaruga de sete cidades (livro infantil).

Discos: Álbum Tropicálido, lançado em 2000,  quase todo autoral, com letras e músicas próprias, contendo ainda 2 poemas, por ela musicados, dos escritores simbolistas Da Costa e Silva (A Moenda) e Cruz e Sousa (Siderações). 

Shows: Fez vários shows no Rio de Janeiro (Sala FUNARTE Sidney Miller, com Sueli Costa, e com o maestro Paulo Moura, no Circo Voador). Com o show Palpite Feliz, cantou em tributo a Noel Rosa, em Teresina/PI, no Teatro 4 de Setembro (Projeto Seis e Meia, em 1992), no qual ganhou o prêmio de melhor intérprete do ano.




Comentários

  1. Maravilhosa seleção. Loas à poeta Anna Miranda e aos filhos dos cristais abissais!

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