SETE POEMAS DE ISA CORGOSINHO | Projeto 8M

fotografia do arquivo pessoal da autora 


8M

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)


Hoje é dia de mergulhar na poesia inspiradora de ISA CORGOSINHO:

1)

PREFÁCIO

Do cio

do aço

Pré

faço

Memórias da pele

nas asas do dia

Poesia!

Das asas do dia

Pré

faço

Memórias da pele

Do aço

do cio

Poesia!


*

2)

ECOS DE GALOS

Persiga as fanopeias atônitas
escondidas no silêncio
P a l a v r a s
 
Acordá-las no ritmo de melopeias
envolvê-las na transpirante dança de logopeias
esculpidas na exatidão das pedras
 
Multiplicá-las nos lances de dados
fazê-las voar
sob o signo da leveza
 
Atadas aos pés alados de Perseu
Ei-las: escudo e refração
ao olhar petrificante da Medusa!

**

3)
 
MULHERES ENLUARADAS

                                 (para Clarissa Pinkola Estés)


No dia que o Sol se escondeu de seu próprio fogo e calor

a Lua se fez presente irradiando de suas crateras refulgente luz de cristal

 

As mulheres puderam passear pelo mundo

recobrindo os continentes com suas vestes de peles

os cinco cantos do mundo acalentados

por imensa ciranda de mãos mantras

 

Mulheres bailaram em conluio

com estrelas e Lua

 

Nesse dia (anoi)tecido

as mulheres fiaram algodão e nuvens

teceram quasares, constelações

 

Bordaram relevos rochosos, vales

cantaram os sons inaudíveis dos pássaros

 

Pintaram formas e volumes 

esculpiram, moldaram espécies de flora, fauna extintas

Troncos grossos brotaram

alastraram-se

bichos ínfimos, gigantes

espalharam-se pelo planeta

 

Lavaram oceanos

filtrados pelos mantos de águas-vivas

olhos vazantes das Iemanjás nuas

 

A atmosfera planetária recebeu os bafos sincronizados

pulmões de oxigênio arfavam dos peitos provedores de leite e mel

 

Entre as pernas das mulheres

os fornos produziram pães 

sorrisos de bebês

borboletas

 

Era o dia das mulheres enluaradas

seus versos encarnados curaram os homens

da sede de fogo

da fome de guerra

da loucura da ambição

do destino sangrento de super-homens

 

Quando a aurora nasceu

mulheres e Lua recolheram-se

em ninhos aconchegantes de corujas e cotovias

 

Era chegada a hora

infância primeva

o mundo renascia

nas barras douradas do dia!


***

 4)

 EROS E THANATOS

" ... que contradição só a guerra faz nosso amor em paz"
(Gilberto Gil)

Desrespeitarei a decisão de sua comissão de segurança máxima
Toda a genealogia da moral
Pisarei o véu do vaticano
 
Guiada pelos astros dos seus olhos, invadirei seu país
Meu corpo - míssil em chamas
No abrupto de minha posse, roçarei minhas unhas trêmulas, armadas de desejo na sua vegetação dispersa
até capturar o recôndito ninho de seu pássaro
Nesse momento, alimentada pelo desejo imperialista de torná-lo meu, de assalto, tomarei a sua capital!
Bélica, voraz desafiarei a resistência mínima
de seus soldados confusos
Sobressaltados pelo meu calor de urânio
acordarei seu instinto de ataque
Confrontados em nossa fome de guerra, dispararemos toda nossa artilharia
de carícias quentes
No clímax de nosso confronto
a morte breve
O devaneio no paraíso
onde andávamos nus e descalços
encobertos pela liberdade
livres das armas e da culpa dos Homens
Inebriada, saciada
fertilizada em meu subterrâneo pelo seu petróleo denso e íntimo
descansarei meu último soldado
na nascente doce dos seus olhos
E minhas mãos,
Pequenas bandeiras da paz,
passearão levemente
pelo seu território em repouso


****


5)


EXAUSTA-ME

Tomar seu corpo exausto!
descansar seus olhos luz-silêncio
nos castanhos meus
Dar-lhe a beber seios túrgidos
 
Banhar-te as esquinas, interstícios
passagens secretas
saliva que não cessa
aguar sabores

Incansável
lÍngua l e n t a veloz
túrgido caule 
deliciado  licor
 
Sem  v n t d  de  re-pouso
p... a... u... s... ar
no  c é u  da sua boca
 
 
Re-vigorado  
entrego-lhe   
corpo-pla   ní   cie   molhávida
aos caprichos dos desejos Eus
EXAUSTA-me!

*****

6)

ESTAÇÕES DO AMOR

Chega um tempo que o amor

o coração não exorta

não sai pra dançar

nem pulsa aorta

 

Acalentadas fantasias

secas folhas ao vento vão

sopradas ao acaso

ao outonal desdém

levitam ao chão

 

As pequenas grandes pétalas recolhem-se ao anoitecer — íntimo inverno

Ávidas de primavera

acordam orvalhadas de prazer

É chegada a hora

vida-morte-vida do amor

São os raios desejosos do verão

que o coração exorta

 

Penetram

impulsivos

O gozo pulsante

acelera aorta!


******


7)

FACES DE IRENE

                     (para Italo Calvino in memorian)

Irene é filha das extremidades do planalto

À noite transita

translúcida

por vielas mal iluminadas

 

Habitantes a observam

do alto de suas moradas

seduzidos

magnetizados

 

Interrogam subjetividades

impossível apreender

a mulher

que passa

Não se atrevem

sabem que Irene se transforma à medida que se aproximam

Uma é a mulher à qual se aproximam pela primeira vez

sabem que Outra é a Irene de quem passa sem a tocar

Uma para quem é aprisionado e não consegue se distanciar

Outra é a Irene abandonada para sempre

 

Cada uma merece um nome diferente

Talvez Irene seja todos os nomes de mulheres

talvez só tenha falado de Irene


*******


(**) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.



fotografia do arquivo pessoal da autora 

ISA CORGOSINHO (Isabel Cristina Corgosinho) é natural de Brasília/DF, e atualmente reside em João Pessoa/PB. É graduada em Letras Português e Literatura, mestre em Teoria da Literatura, e doutora em Teoria da Literatura pela Universidade de Brasília  e Università di Roma, Sapienza. Professora universitária aposentada, poeta, autora de artigos e ensaios sobre literatura nacional e italiana.

Livros e outras publicações: Os Bandoleiros e O quieto animal da esquina, de João Gilberto Noll (dissertação); Se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino (tese); Memórias da pele (livro individual, integrante da Coleção III Mulherio das Letras, Venas Abiertas Editora Popular, 2021).

Participação em antologias e coletâneas: Coletânea Colheita 5 (org. Celeiro Literário Brasiliense Leia-me, Art Letras, 2020); Coletânea Enluaradas I: Se essa Lua fosse nossa (e-book, org. Marta Cortezão e Patrícia Cacau, Ser MulherArte Editorial, 2021); 1ª Coletânea de Poesia Mulherio das Letras na Lua (org. Chris Herrmann e Adriana Mayrinck, Ser MulherArte Editorial e In-finita, 2021); Coletânea Enluaradas II: Uma ciranda de Deusas (e-book, org. Marta Cortezão e Patrícia Cacau, Enluaradas Selo Editorial e Sarasvati Editora, 2021); Mulherio das Letras Portugal Poesia & Prosa (org. Adriana Mayrinck, In-finita, 2021); Coletânea Mulherio das Letras para Elas (e-book, org. Vanessa Ratton, Amare Livros e Ser MulherArte Editorial, 2021); Coletânea Salvante IV: Entre Eixos (Saravasti Editora, 2022); Mulherio das Letras Portugal Poesia & Prosa (org. Adriana Mayrinck, In-finita, 2022);   Coletânea Enluaradas III: I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (e-book, org. Marta Cortezão e Patrícia Cacau, Enluaradas Selo Editorial, 2022).    




 

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