A POESIA MARCANTE DE ELIANA CASTELA | PROJETO 8M
8M (*)
Mulheres não apenas em março.
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão,
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)
Mergulhe na poesia marcante de ELIANA CASTELA:
REALIDADE
Quando a realidade é crua
O imaginário ferve os fatos
Cardápio que alimenta a fome
Devora e esvazia os pratos
Ferve os fatos. Alimenta a fome.
Esvazia os pratos. Realidade crua.
(* poema publicado na Folha Cultural Pataxó Gambiarra Profana, janeiro/2020)
-*-
EU RIO
Eu parada e o rio corre em mim,
nas veias e no intestino.
O pensamento em banzeiro.
Então sou rio, rio inteiro,
repleto de meandros,
balseiros, lama e hoje, lixo.
Corre em mim o rio Acre,
de navegantes indígenas,
um novo Acre de fronteiras traçadas,
com sangue drenado da ganância
que singra a Amazônia
e sangra seu povo.
(*
poema publicado no blog Carmeliana - https://arteliteratura.wordpress.com/, 01.03.2020)
-*-
NOVELO
Ao ver-se inerte, na poltrona da sala
Sentiu uma angústia sedentária...
Gorducho, entrelaçado,
preso às próprias amarras,
o novelo resolveu rolar.
Caído ao chão desfez-se em fio,
seu corpo afastando-se da ponta,
alongava-se infinito.
Às vezes surgiam nós,
alguns frouxos, outros firmes...
Todos dificultavam seu desenrolar.
Em desalinho, enroscava-se a tudo
que encontrava no caminho.
Sentia liberdade ao sair mundo afora
sem estar preso a laços ou a nós.
O novelo deu o ponto final
seguiu a linha da vida sem nada tecer.
(* poema publicado no blog Alma Acreana - www.almaacreana.blogspot.com, 09.04.2021)
-*-
RETALHOS
Tudo se faz de pedaços,
restos, retalhos… de algo inteiro
ou já espedaçado pelo tempo e por mãos,
com desvelo ou desmazelo
faz-se novo construto.
A rocha, antes paisagem
contemplada como um feito divino,
agora dinamitada é seixos de obra
submersos no cimento, argamassa e tinta.
Os derivados da paisagem natural
são admirados como elementos históricos
feitos por gente humana.
Outros retalhos se formam,
cabelos, unhas, peles – células mortas
são retalhos de nós.
Assim como as folhas, galhos,
e sementes das árvores são retalhos
a compor o solo, a terra, o chão.
Metamorfoseando tudo, a vida une retalhos.
Costurados pelo tempo formam colchas, tapetes,
e cortinas a adornar o espaço
num constante movimento de fazer,
refazer e desfazer a matéria.
(* poema publicado no blog Carmeliana - https://arteliteratura.wordpress.com/, 27.07.2021)
-*-
REBORDAR O TEMPO
No escritório, papéis diversos.
Na parede um quadro desbotado
emoldura velhas fotografias.
No ateliê de costura, linhas coloridas
sugerem vida aos rostos retratados.
Bordarei uma a uma, na tentativa
de dar presente ao passado
novo tempo, outro bordado.
Estender a vida útil das coisas
e torná-las infinitas como nós.
(* poema publicado em sua TL no Facebook, em 02.11.2021, dedicado ao 'Grupo de Mulheres ao Avesso', coordenado por Célia Goueia e Isabela Albuquerque)
-*-
MORTE
Versos caídos no papel branco de árvores mortas
caneta que falha, verso que cala,
com medo de dizer que o poeta morreu.
Trânsito que para e atrapalha,
o carro que não passa
atrasa a pressa de chegar.
Diante do corpo sem vida
como o papel da árvore morta, branco,
o poeta não fala
nunca mais escreve.
A poesia teimosa
desabrocha em novos poetas.
Com meu punho refaço teu ato, poesia
desacato a morte.
Teu sêmen é haste contínua.
(* poema publicado no livro Versos de verão)
-*-
EM BUSCA
Em busca de respostas
rompi a rocha, raspei musgos
desfolhei camadas
furtei pigmentos.
Desintegrada, a rocha é pó
princípio e fim da vida.
Depois de mover montanhas
vejo-me, ainda, no ponto de partida.
(poema publicado no blog Alma Acreana - www.almaacreana.blogspot.com, 27.12.2021)
-*-
CHEGA DE PRESSA!
É bom mastigar os dias
com a lentidão do tempo,
tempo lento e inalterado.
Viver os dias com a lerdeza de chuva fina
na demora, até tocar o chão...
O tempo resume-se no agora,
requer o abandono da avidez
dos dias servidos e devorados
em mesa faminta, sem perceber,
nem auroras, nem ocasos.
- Tempo de pouco caso.
É bom perder a pressa e rever
o arrumar e desorganizar das nuvens.
Ter a paciência de aguardar a florada
e comer a fruta do tempo.
Aguardar a piracema subir os rios
e não pescar o futuro.
É bom deixar o hábito de cobrar-se
do que se deixou de fazer
quando o dia finda.
(* poema publicado no blog Alma Acreana - www.almaacreana.blogspot.com, 27.12.2021)
-*-
CACO DA HISTÓRIA
Minha ancestralidade
adormecida, calada
pelo desconhecimento,
muito sente a dor
das mãos queimadas
da tataravó, ao torrar café,
mexendo os grãos
com os dedos, no caco quente.
Embora a pouca memória,
o tempo não resfria o calor
das queimaduras.
Torrar café, moer café
traz o ardor das mãos
da avó da avó.
É a recordação de um caco,
do que consegui saber
da vida escravizada
da minha tataravó.
(* poema publicado em sua TL, Facebook, 18.02.2022)
-*-
(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.
ELIANA (Ferreira de) CASTELA é natural de Rio Branco/AC, onde reside. É graduada em Geografia (bacharelado e licenciatura) e especialista em História da Amazônia, pela Universidade Federal do Acre - UFAC; e mestre em Extensão Rural, pela Universidade Federal de Viçosa - UFV. Estudou Extensão Indígena na UFV, e Extensão em Estudos sobre Povos Indígenas na UFAC. Suas pesquisas acadêmicas são desenvolvidas sobre povos indígenas do Acre. Atuou como atriz no teatro amador, durante o período de 1984 a 1987. Presidiu a Federação de Teatro Amador do Acre - FETAC por 2 anos. É atriz com registro no MTb/RJ. É produtora executiva, cronista, poeta, tendo seus poemas publicados em blogs, em periódicos digitais, antologias e em outras mídias digitais. É uma das organizadoras, com Mané do Café (Jorge Carlos Amaral de Oliveira), do projeto 'Folhinha Poética', calendário poético em formato digital. Tesoureira e atriz na 'Associação Cultural Grupo Arquéthypo'. Integrante do movimento Mulherio das Letras, e realizadora, junto com Jorge Carlos Amaral de Oliveira, da live semanal de poesia 'Zona live - enquanto eu respirar'.
Livros publicados: Pelos rios ao sabor da fruta (crônicas, Portugal: Chiado Editora, 2017); Da escrita rupestre à era digital: alguns poemas (poesia, edição da autora, 2017); e Carmeliana - A festa das flores (poesia, Rio de Janeiro/RJ: Ibis Libris, 2019).
Participação em antologias e coletâneas: Antologia de poesias Prêmio Literário Livraria Asabeça e Bignardi Papéis 2019 - Cabeça que voa (São Paulo/SP: Scortecci Editora, 2019); Os melhores poemas 2021 (e-book, org. Isabel Furini, Curitiba/PR: Revista Carlos Zemek, 2021); entre outras.
Querida Eliana, você é fantástica! Beijos
ResponderExcluirObrigada, Virgínia! Fantástico foi nosso encontro em Sampa, no lançamento do seu livro rsrs
Excluir