A POESIA MARCANTE DE SILVANA GUIMARÃES | PROJETO 8M
8M (*)
Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
'Dias mulheres virão', 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)
Navegue na poesia sempre marcante de SILVANA GUIMARÃES:
MAMUSKAS
a trisavó cresceu com a mania de recolher nuncas
a bisavó passou a vida colecionando nãos
a avó, entre rezas, reunia quimeras
a mãe empilhava lamúrias
ela habituou-se aos muros
a filha junta janelas
a neta, pássaros
(* do site escritorassuicidas.com.br, outubro/2013)
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O ÓBVIO LANCINANTE 
a morte é um milagre: ela vem leva um
e outros morrem ao redor de quem foi:
todo morto nunca é um só na sua dor
não existe rota de fuga não há esconderijo
ela chega e acaba com as flores pássaros
espaço consciência memória tempo beleza
descobre códigos senhas mapas da cidade
nada está a salvo: nada segura a sua gula
nenhuma valentia lhe dobra a arrogância
nunca mais eu te amo, te ligo amanhã
nunca mais essa música: olha que triste
nunca mais aquela viagem aquela droga
fica faltando um verso no poema impossível
tudo o que podia ter acontecido e não vai ser
o morto carregando seus mortos que respiram
bendita seja a morte: essa rainha da liberdade
que me faz rastejar nesse escuro dia das mães
(* do site escamandro.com, 21.06.2018)
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OLARIA
sovo as palavras
moldo a imagem justa
do que quero
assim seja
mais que poeta
sou deus
o fogo dos olhos de quem lê
entanto logo desmente o engodo
é ele quem decide afinal
a cor o desenho o fôlego
(* da Revista Mallarmargens, 21.02.2020)
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DEMOLIÇÃO
desmontar a casa
separar fotos livros
xícaras e remorsos
arrastar móveis
descobrir pegadas
acumular destroços
qual foi o seu último rosto?
onde pregou o último olhar?
no sofá amarelo
seu vulto descansa
no meu peito o coração
encolhe-se: para sempre
(* de sua TL/Facebook, 16.10.2020)
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ANÚNCIO
a minha casa guarda silêncios 
ausências e soluços 
em cada canto meus absurdos 
naquela janela um par de asas 
bem ali a ração dos 
cachorros e a solitude 
sob os tapetes as cicatrizes 
sobre a pia as máscaras 
trancado a chave 
o armário de incêndios 
atrás da porta 
a minha sede 
no terraço uma rede 
de renúncias 
no jardim, entre os antúrios 
um antro de amarguras 
no alpendre 
o breu o breu o breu 
quem comprar minha casa 
leva minha alma dentro
(* de sua TL/Facebook, 13.04.2021)
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POR UM FIO
o mercadinho do bairro abriu suas portas: 
olhos perplexos apalpam cebolas & abacaxis 
a luz do sol alheia às nossas tragédias 
despenca sobre alpendres morros escombros 
devagar a vida rosna atrás da sobrevida: 
merecemos seguir como os rios & os abismos 
um dedo atiça a dor de uma velha ferida quando 
percorre a lista de quem não verá a primavera 
o coração apertado um poço de nãos & aspereza: 
a memória um buquê de papoulas & avencas 
[no fundo da pia onde limpo a louça seu rosto me olha 
na agenda de telefones seu nome desafia o silêncio] 
entre perdas & enganos a nossa maior façanha: 
amestrados aprendemos a lavar as nossas mãos
(* de sua TL/Facebook, 02.07.2021)
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CONSENTIMENTO  
era primavera eu ouvia jasmins e manacás  
era madrugada com brilho de luz do dia  
era um violino enfeitiçado atiçando-me  
era a vida batendo na mesma concha  
era os delírios ocultos na palma da mão  
era o fogo queimando todos os meus lábios  
era praga de anjo era nós desmoronando  
era o arrepio entre os rins ai de mims  
era senso perdido era o que tinha de ser  
era manhã quando sucumbi no seu corpo 
atrás de uma flauta doce e torta achei meu  
destino: a flor hermafrodita que me açucena 
(* de sua TL/Facebook, 03.05.2023)
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poema-imagem do arquivo pessoal da autora 
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ESTREITURAS 
no silêncio desse tempo deserto 
o inferno é um carrossel de mesmas  
lembranças rodando rodando rodando 
nossos deuses morreram todos à míngua 
o eco de suas vozes roucas assombram 
o dia como esse sol que insulta a solidão 
inútil traçar uma rota de fuga pela casa 
catar poesia no estendal esbarrar na  
metáfora escondida entre os panos de prato 
insensato ocultar chaves e arrombar portas 
objetos que torturam e ferem com furor 
a alma suplica uma trégua: em ponto morto 
o corpo resiste: seu templo & minha cabala 
o mistério da nossa fome objetiva 
nós duas escondidas naquela fotografia 
a dor é um deus sem rosto 
(* de sua TL/Facebook, 28.08.2023)
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poema-imagem do arquivo pessoal da autora 
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.
fotografia do arquivo pessoal da autora 
SILVANA GUIMARÃES é natural de Belo Horizonte/MG, onde vive. É graduada em Ciências Sociais pela UFMG. Socióloga, especialista em transporte público, redatora, revisora, publicitária, escritora, poeta. É Editora da 'Germina — Revista de Literatura & Arte' [www.germinaliteratura.com.br], e do site 'Escritoras Suicidas' [http: www.escritorassuicidas.com.br]. 
Participação em coletâneas e/ou antologias: Dedo de Moça — Uma Antologia das Escritoras Suicidas (org. Silvana Guimarães, Terracota/2009); Hiperconexões Realidade Expandida - Poemas (vol. 2, org. Luiz Bras, Patuá/2014); 29 de abril: o verso da violência (org. Silvana Guimarães, Patuá/2015); 1917-2017 — O Século sem Fim (org. Marco Aqueiva, Patuá/2017); Revista Gueto: edição impressa n.1 (org. Rodrigo Novaes de Almeida, Patuá/2019); Clausura (e-book, org. Rosana Piccolo, Lobo Azul/2020); As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira (poesia, org. Rubens Jardim, Arribaçã/2021); entre outras.











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