CINCO POEMAS DE SONALI SOUZA
DRAMA
Difícil escrever versos infinitos
com a TV no centro da família,
da sala na casa no bairro
de antenas ao infinito.
“Querida, você não precisa me amar
deixe apenas que eu a ame.”
Silêncio.
E se ela concorda acaba o drama e escrevo um verso.
Se ela discorda ele a persegue e no canto dos meus olhos
essa imagem idiota será mais forte e não haverá a literatura de Borges.
Difícil escrever versos infinitos
quando ele grita em idiota desilusão:
“Suja! Você é calhorda! Você é Holly Anderson!”.
E, como minha mãe e minhas tias, murmuro:
“Coitado!”
-*-
NA AREIA DA PRAIA
As palavras vêm até mim
como as ondas do mar na praia.
Dizem-me em sopros
de ventos marinhos
o que talvez me faça mulher adivinha.
Mas infindo
de todas as cores,
do translúcido ao fosco enigma,
perto de ti oceano caminho nas beiras,
nas praias,
respeitosa de teus redemoinhos,
de teu profundo abismo,
de teu horizonte inalcançável.
imagem do Pinterest
-*-
MEU FILHO
(para Miguel de Sousa)
Desde menina
que te espero,
como a poeta
a rima para o verso.
-*-
AO AVÔ
Abraço o Tempo,
o gesto que fazias
ao me ver chegar menina,
minha primeira neta
sou eu.
-*-
DONA JUDITH
Ela teve mãe revolucionária
e nasceu e teve a infância
com cheiro de açafrão na Petrópolis
do início do século XX.
Ia ao cinema com a mãe, uma mulher moderna,
assistir Carlitos, e ao circo, naquela cidade de frio,
névoa, mata, imigrantes estrangeiros, fábricas de tecidos
e o rio Piabanha que corria limpo.
O pai era ferroviário e se fora desse mundo
quando ela era menina.
Veio para o Rio, cidade grande, com a mãe, mocinha,
que esta veio fazer militância
e tentar emprego na capital.
Casou novinha com o marinheiro elegante
e teve tantos filhos quantos lhe dera seu corpo, enchendo a casa grande
que foram aos poucos construindo:
telhado de zinco e água de poço em seu começo,
até que na autoconstrução foram melhorando
de vida e habitação.
Redonda como uma Vênus primitiva,
foi assim que a conheci.
Acordava cedo todos os dias
e preparava o almoço para quantos viessem.
Às seis da tarde ouvia a Ave-Maria de Júlio Louzada
e tecia a teia de seu crochê até que todos os filhos chegassem.
Quando teve vários netos
no Natal vestia-se de Papai Noel
e caminhava com eles e as crianças da vizinhança,
na rua do bairro popular
onde morava e criara seus filhos,
cantando as canções do Menino Jesus e do Bom Velhinho.
Era encantada como Santos Dumont,
mas não tinha as angústias do inventor,
gostava do Carnaval
e de Emilinha na Rádio Nacional.
Morreu durante o sono na chegada da primavera
e na madrugada do dia da árvore,
nos braços de seu amado,
sem acreditar que o Homem pisara na Lua.
imagem do Pinterest
-*-
SONALI SOUZA nasceu em 1962, em Nova Iguaçu/RJ. Aprendeu a ler e escrever aos cinco anos e desde então lê muito, em diversos campos das humanidades e, além disso, escreve poemas. Graduada e licenciada em Ciências Sociais pela UFRJ.
Mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional, UFRJ.
Na dissertação de mestrado analisou os impactos sociais dos loteamentos urbanos implementados em Nova Iguaçu nos anos 1950/70.
Seus poemas e crônicas foram publicados em jornais e em coletâneas de poetas de Nova Iguaçu, e em revistas eletrônicas.
Comentários
Postar um comentário