O Voo Poético de Vânia Melo - Seis Poemas


Mosaico - Carole Choucair


Do que não sei nomear por ser muito pequena ou Poema para o Silêncio.

Sempre quis escrever histórias de silêncio
Seja um poema ou um transe
Que se recite ou que se dance
Seja canto, ponto, ladainha ou reza
É o poema, é o àṣẹ que interessa

Mas não me chega todo, certeiro
Seria mais lindo se viesse inteiro?
Penso. Talvez esteja chegando.
Do jeito dele, num ritmo lento...
Mas quem sou eu pra entender de ritmo
se não alcanço o tempo?

E ele me chega em silêncio...
Em sua cadência,
trazia consigo um som perfeito
Mas como um som delicioso
Se era um poema silencioso?
Mas quem sou eu pra entender de som se a ancestralidade detém o ritmo do que eu ainda estou aprendendo que trago comigo?

Um som tão bom. Um som de amor.
Um som de palha de curar toda dor.
Palha por palha cada uma dançava
E que cheiro bom de casa de taipa
Que cheiro bom e acolhedor
aquele som me revelava.

E eu sigo... com muita fé pra desenvolver
Com muita bênção pra pedir
E tanta coisa pra aprender...
pequenina, como posso,
vou compreendendo, passo a passo,
vou aprendendo de tempo em tempo
que debaixo de cada palha que dança,
dentro do que não vejo
mora paz, cura e amor
mora o som do Silêncio.

Atotô!

Mosaico - Saad Mikhiel

Dentro

Estou cansada, mas não tem derrota.
Sou forte, tão forte! Mas estou cansada
Ser forte o tempo todo cansa
Um ser forte todo tempo alcança?
Quero dança
Quero afago, disparo: 
                        quero transa, trança, lança
Não quero sorte, sou forte.
Mas cansa! Quero alívios, suspiros
Bálsamos do Velho, Cachoeira de Mamãe Quero flor, respeito,
quero tudo que tenho direito!


Eduardo Rodriguez Calzado - In your arms

Antiga

Buscando meu dicionário
sobre coisas do coração,
devo estar velha:
meu bem, coisa linda, paquera...
Meu dicionário de carícias íntimas de amor, ousadas e belas é Preto
e chama de dengo
tudo que atrai calor, 
ternura, chamego...
O Amor deve estar tão perto
que o sinto entre dedos e umbigo
Revisto poemas antigos,
não tenho problemas com isso
e ainda acredito que um dia
um amor Preto e sua poesia
vão me acordar zonza
em manhãs de domingo.

***

Delícia

Vou chamar o Preto, vou dar um beijo
Querer um cheiro, multiplicar dengo...
Apertar com vontade, vencer a saudade
Fazer um love, permitir o que o corpo pode
Nos vestir de flor, trocar amasso,
morrer de amor e matar o cansaço.


Imagem Pinterest
Menina Água

Ser feita de Água me torna forte.
Ser feita de Amor me torna rara...
Entre Amor e Água, dor e mágoa,
fiz minhas armas...
Tem o que fica e o que deságua...
Quando eu estiver falando de amor,
saiba que também estou lutando.
Amor e luta têm sido minha vida
há quase quarenta anos...
Estou menos ácida, mais lúcida,
Nada apática, mais rápida...
Estou mais viva
A luta me conscientiza,
me dá chance de vida, me reinicia.
Mas o Amor...
Ah, o Amor...
É o Amor que me desperta todos os dias.


Imagem Pinterest - Oxum
Treta

E se hoje não tiver poema?
A gente treta,  encena...
Trama uns verso torto, escroto
Se vier um estranho, a gente acena..
Emenda, não vacila,
Resolve uma encrenca, 
mas escreve...
Porque poesia é quase tudo que pulsa
Quase tudo que se atreve.



Toda Preta

Toda Amor
Inteligência e memória em toda guerra
Da minha raiz até a pétala,
toda flor!

Vânia Melo, Filha de Oxum e Xangô.
Mestranda no Programa de Literatura e Cultura da UFBA, Especialista em Metodologia do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira pela Faculdade São Salvador, Graduada em Letras Vernáculas pela UFBA. Professora. Escritora. Em 2011, publicou seus primeiros poemas na coletânea “Sangue Novo: 21 poetas baianos do século XX”, teve, em 2012, poemas inéditos lançados na coletânea afro-brasileira “Cadernos Negros – vol.35”. Em 2012, publica poemas inéditos no primeiro volume da Revista Organismo e novamente em 2019. Em 2018, lança seu primeiro livro solo pela editora baiana Organismo: “Sobre o breve voo da borboleta e suas esquinas”.


Sou feita de água, fogo, flor e espada e me pertenço. Sou mulher preta e escrevo o que sinto e desejo, o que vejo e o que não quero mais ver. Porque preciso, porque vivo a urgência de falar, de contar sobre minhas observações e leituras de um espaço que ocupo e que está repleto de dor, de tensão, de luta, de amor, de água, de sangue, de fé e de poesia.

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