De Prosa & Arte | O caos como inspiração

 


Coluna 42


Acervo pessoal


O caos como inspiração

"O vento que venta lá venta cá..." Ataulfo Alves

É certo que nos meus deságues rotineiros, nas chuvas de letrinhas dos meus devaneios literários, tem um bom punhado de dissonâncias e mazelas que vivencio rotineiramente.

Ouvi dizer, durante a devolutiva da equipe editorial no evento da publicação do meu primeiro livro, que meus escritos denunciavam meu caos interno.

Achei lírica e poética essa observação. Nunca tinha compreendido meus versos dessa maneira. Então, decidi encarar de frente meu caos interior. É dele que ecoam os pensamentos, é do caos que emerge minha veia literária.

Digo isso, porque esse caótico movimento sempre foi deflorado pelos amores desfeitos, a animosidades entre pessoas de convívio e é dessa vivência que brotam minhas reflexões e catarses. É dali que surge o espantoso ato de escrever.

Não sei se por efeito da pandemia, ou se por efeito de um desenlace complexo e dolorido, sofri um bloqueio literário e produtivo. Me assustei com a possibilidade de não mais acessar o manancial de palavras caudalosas da minha nascente de versos.

Porém, não me impeli culpa, nem mesmo me fiz cobranças quanto a colocar em ordem meus textos, minhas receitas, meus cacos de recordações, apenas me dei o tempo da espera silenciosa de uma escritora em crise recorrente. Não foi a primeira vez, certamente não será a última.

Eu escrevo amores carentes, desfeitos, amores que doem, que sangram. Eu escrevo o caos das relações mal vividas.

Venho refletindo se não as vivenciei à margem, de forma tóxica, para criar elementos criativos da minha escrita dramática. Sou afeita ao drama, à fatalidade, aos pesares. Não sei se tem a ver com o aterramento Capricorniano,  ou aos elementos fogo do meu ascendente em Sagitário, também estou habituada a denunciar os Astros pelos malfeitos que me causo. Gosto de tirar isso da reta de minha teimosia.

Nesse momento da vida, quando eu desacreditava da possibilidade de me afetar, estou vivenciando o Amor, de uma maneira que tem me surpreendido. Eu que já desconhecia a possibilidade de entrega, estou imersa numa relação de autocuidado, e por isso também, de cuidado com o outro. Estou aprendendo que o que dou, me é devolvido proporcionalmente. Daí, entendo que a distância que encontrei nos amores dolorosos, eram reflexo do meu jeito torto de amar, da falta de diálogo e do excesso de cobranças. Eu desejava, que o outro entregasse o amor a meu modo e não da forma como poderíamos mediar juntos em construção.

Confesso, que me assusta em demasia, não mais ter o caos como única inspiração, afinal eu já sabia como lidar muito bem com ele. Agora, também escrevo responsabilidade afetiva e tranquilidade. Sinto uma necessidade de me acautelar da ansiedade e da ira.

Venho desbloqueando padrões de funcionamento viciosos e por isso, o caos vai se espaçando nos meus escritos. Isso não significa que deixei de olhar para ele com admiração, mas ampliei as janelas da mente para outros recantos pacificadores.

Estou me permitindo devolver ao corpo, a mente e ao coração um lugar de prestígio que ele sempre ansiou e mereceu. Nada menos que isso me basta hoje. Agora, posso sentir aquela saudade boa, o prazer de vir acompanhada de sonhos conjuntos, posso me deliciar em redescobrir a libido, o afeto, o toque e o cheiro bom que o Amor saudável produz.

Tenho despertado de madrugada recitando versos delicados, dedicados a quem me quer bem e na mesma proporção do meu desejo. Eu não tenho mais medo de despir corpo e alma, já não me sinto invadida e exposta. E isso é reconfortante e novo na minha vida.

Eu carreguei por décadas o caos, a dúvida, o medo, acreditando que somente eles me ditavam versos inteiros... Vivi a la Augusto dos Anjos, desenvolvendo uma forma densa de existir.

Eu louvo o caos, eu o admiro, eu o acolho e o aceito. Mas não vou lhe dar lugar veterano em todas as minhas ações e feitos.

Quero serenar. Todo coração merece paz para celebrar, clareza para amar sem reservas, ordenação para acreditar e disposição para tudo devolver.

Eu não nego o Caos, ele ainda me serve às vezes, no fundo do baú do porão fétido das minhas amarguras acumuladas. Se ele é inspiração, que nunca me falte. Mas que seja generoso com outras fontes de iluminação para meus versos e outras importâncias.




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