A PROSA E A POESIA DE VALÉRIA PAZ | Projeto 8M

fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M (*)

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)


Conheça a palavra surpreendente de VALÉRIA PAZ:


AGULHAS

às vezes um demiurgo
encontra uma veia de bom calibre
e tira um pouco de poesia
pra meu uso pessoal
de outras, apenas me fura
e me anestesia da dor das palavras

(*poema do livro Era vida e se quebrou, p. 13)

imagem do Pinterest 
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RECICLAGEM

se já escreveram tudo
quero desescrever
de fora pra dentro
suando às avessas
desouvir as palavras
dessentir, entranhá-las
trancá-las em prisão provisória
até descobrir outra voz

(* poema do livro Era vida e se quebrou, p. 17)

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CERTEZAS

na escuridão 
todas as almas são cegas
mas eu te reconheceria
em qualquer pele
e morreria por você 
num piscar de olhos

(* poema do livro Era vida e se quebrou, p. 29)

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TEORIA DO CAOS

fomos parceiros em tantos jogos
fomos imbatíveis tantas vezes
traçamos tantas estratégias 
embaralhamos tantas cartas
fizemos tantas apostas
atravessamos tantas noites
mas eu nunca, nunca sabia
quando você blefava
e meu nariz ficava vermelho
se às vezes eu mentia
agora que o jogo acabou
que ninguém pagou pra ver
continuo sem saber
como o tabuleiro virou
como as peças caíram
os padrões se subverteram
os resultados mudaram
continuo sem saber
que maldita borboleta
voou na hora errada

(* poema do livro Era vida e se quebrou, p. 60)

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Cortou os carboidratos, os contratos, os ácidos graxos, os escrachos. Cortou os agrotóxicos, os negócios, as gorduras, as imposturas. Cortou a glicose, a sacarose, as neuroses, todas as doses. Cortou na carne, no sal, no bem, no mal. Cortou na prosa, no verso, no direito, no avesso. Por fim, retalhou-se.

(* microconto do livro Era vida e se quebrou, p. 79)

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Amou como louca. Agora só queria não sofrer, se aquietar o resto da vida. Mas sabia que não podia decidir. São as paixões, ou as ausências, que simplesmente nos impelem a movimentos involuntários. Ora pra cima, quase parando, ora pra baixo, desenfreadamente. Não tem plano de voo. Nem céu aberto.

(* microconto do livro Era vida e se quebrou, p. 86)

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NANOCONTOS (*): 

Após uma vida, foi embora. A mala, quase vazia, pesava demais.

*

Quando achou os óculos, o filme já estava no meio. Como sua vida.

*

Domingo era o pior dia. Todos recebiam visita, menos ela.

*

Olhava as fotos de tantos anos e, aflita, não achava os 7 erros.

*

Tinha uma pedra no caminho. Pra seguir, colocou-a nos ombros.

*

Bateu a janela na cara da estrela: seu desejo era impossível.

*

Tanta coisa não cabia mais. O coração encolheu três números.

(* nanocontos do livro Era vida e se quebrou, pp. 92, 95, 97, 104, 111, 113, 129)

capa do livro Era vida e se quebrou 
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DITADO

a gente segue em frente
porque não tem jeito
fica em pé e vai lendo
o mundo em voz alta
hesita numa palavra mais difícil
tropeça numa vírgula
finge que nem existe
o ponto final
até que aprende 
por tentativa e erro 
que a vida é aquilo
que está entre parênteses

(* poema publicado no Facebook, 19/04/2021)

imagem do Pinterest 
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.

fotografia do arquivo pessoal da autora 


VALÉRIA PAZ é mestre e doutora em Letras pela Universidade de São Paulo. Possui trabalhos sobre poesia, retórica, mídia e memória social. Exerceu o magistério e consultoria de Português por 30 anos, aposentando-se posteriormente. Escreve poesia, microcontos e nanocontos (* contos de 50 letras). 

Livros publicados: Era vida e se quebrou (poesia/microcontos/nanocontos, Penalux, 2021); Volume morto (poesia, Penalux, 2022).





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