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Mostrando postagens com o rótulo MulherArte Resenhas

MulherArte Resenhas 07 | Amazônia em sangue com Sandra Godinho

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  Amazônia em sangue com Sandra Godinho _ por Luiz Otávio Oliani "- Uma estória nunca é a mesma quando passada de boca em boca”  Sandra Godinho, p. 37 A literatura é uma produção humana e toda e qualquer classificação em relação a ela segue com fins didáticos. O uso dos adjetivos serve para rotular, aproximar, moldar, aprumar ou categorizar estilos e autores, como se não houvesse exceções.   Na História, a produção de literatura ficou restrita, por séculos, aos homens. Mas, com o declínio do patriarcado na sociedade brasileira, o direito ao voto, a revolução feminista, entre outras conquistas, as mulheres passaram a ter espaço no campo das letras. Bem depois de Dinah Silveira de Queiroz, com “Floradas na Serra”; Rachel de Queiroz, com “O Quinze”, Clarice Lispector, com “Perto do Coração Selvagem”, Lygia Fagundes Telles com “Ciranda de Pedra”, Nélida Pinon com “Guia-mapa de Gabriel Arcanjo”, para ficar somente com estas romancistas de quilate, eis que surge, em 2020, Sandra Godinho

MulherArte Resenhas 06 | O OBSERVATÓRIO POÉTICO de Lucinda Persona

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O OBSERVATÓRIO POÉTICO de Lucinda Persona - Por Eduardo Mahon De repente, me lembrei de Lucinda. Onde estará ela? Certamente refugiada em seu apartamento. Com ou sem pandemia, o apartamento de Lucinda é uma especie de observatório. Não propriamente observatório astronômico, mas poético. No mais recente livro O passo do instante , a escritora faz da noite o seu principal tema. A maioria dos poemas traz a imagem decadente do dia, a promessa da tarde e a fertilidade da noite, matéria prima para a poesia. Do alto de seu observatório, a poeta não se desloca. Ela observa a cidade com distanciamento e passividade. Faz anotações quase científicas e forja uma espécie de diário do perímetro. Índices pluviométricos, períodos de seca e de umidade, regime de ventos, tudo isso se projetando para a criação poética. Onde está a noite? O que é a noite? Parece-me que o dia (o verão?) está identificado com o trabalho, enquanto a tarde (ou o outono?) nos dão a pista que os períodos do dia são, na verdade,

MulherArte Resenhas 05 | Pré-história de Paloma Vidal

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  Pré-história de Paloma Vidal (Rio de janeiro:7letras, 2020) - Por Eurídice Figueiredo No romance Pré-história ,  Paloma Vidal (2020) fala de um luto não pela morte de alguém, mas pelo fim do casamento. A narradora fala diretamente com o ex-marido, numa espécie de acerto de contas. Segundo Freud em Luto e melancolia haveria dois tipos de reação diante da perda do objeto amado:  o sujeito aceita a perda e começa a fazer o luto ou o sujeito não aceita a perda, incorpora aquele objeto perdido, tornando-se melancólico. O tom do livro é melancólico porque a separação ainda não foi bem resolvida, ainda ecoa nos sentimentos da narradora; a própria escrita faz parte do esforço para elaborar o luto da perda. Ela usa um mecanismo um pouco retorcido: insiste mais na cena inicial, o encontro dos dois adolescentes na festa de seu aniversário no play do prédio, do que em brigas que teriam levado à separação do casal, o que vai aparecer mais para o fim do livro. Já numa espécie de preâmbulo el

MulherArte Resenhas 04 | O balanço poético em "Asas do inaudível em luzes de vagalumes" (2020) de Maria Elizabete Nascimento de Oliveira

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  O BALANÇO POÉTICO EM ASAS DO INAUDÍVEL EM LUZES DE VAGA-LUME (2020), DE MARIA ELIZABETE NASCIMENTO DE OLIVEIRA: LIBERDADE E IMENSIDÃO - Por  Jocineide Catarina Maciel de Souza   Se a escrita é libertadora, a leitura precisa encantar e fazer pensar, por isso está tão perigoso aprender a ler, especialmente se considerarmos o contexto sociocultural e político em que vivemos. Ao anunciar a publicação de Asas do Inaudível em luzes de vaga-lume (2020) , Maria Elizabete do Nascimento de Oliveira se justifica: - eu precisava escrever poesia para não ser sucumbida pelas agruras da escrita científica. Bendita tese que nos agraciou com a oportunidade de ler os belos e reflexivos poemas que compõem essa obra. Na necessidade de nomear nossas ações vamos considerar esse texto apenas como apreciação, pelo fato de não me deter a análise, mas escrever sobre aquilo que me apraz. Ao receber o livro o primeiro impacto é jogo de cores na tonalidade amarela marcada por gotículas de chuva que por s

MulherArte Resenhas 03 | Escrever o luto: "O indizível sentido do amor" (2017) e "O coração pensa constantemente" (2020), de Rosângela Vieira Rocha

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  Escrever o luto: O indizível sentido do amor (2017)  e  O coração pensa constantemente (2020),   de Rosângela Vieira Rocha - por Eurídice Figueiredo Rosângela Vieira Rocha escreveu dois romances autobiográficos nos quais elabora o luto: em O indizível sentido do amor (2017) trata-se da morte de seu marido, chamado simplesmente de José, e em O coração pensa constantemente (2020), o foco recai sobre a irmã mais velha, que no livro recebe o nome fictício de Rubi, porque era uma verdadeira pedra preciosa. Em cada um dos romances, ao se colocar diante da morte, a autora rememora os últimos momentos, a doença, a vida pregressa daquelas pessoas que foram tão íntimas durante anos e agora jazem mortas. Apesar de saber vagamente da militância do marido durante a ditadura,   tem pouca informação porque ele não gostava de falar sobre o passado. Assim, já no primeiro capítulo de O indizível sentido do amor a narradora conta que viajou a Portugal para encontrar Alípio Cristiano de Freitas,

MulherArte Resenhas 02 | "Uma falha, uma falta, uma fissura"

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“Uma falha, uma falta, uma fissura” - por  Luiz Renato de Souza Pinto “O coração pensa constantemente” [1] , esta imagem me surge de modo epifânico no início do segundo ano desse pandemônio. Rosângela Vieira Rocha é de arribaçã, pois que vem das Minas Gerais para a capital federal, como Juscelino e muitos mineiros da gema: “Nos cursos de gemologia que fizemos juntas, no universo das pedras que tanto amamos, o rubi sempre foi a mais preciosa, a mais cara, a mais perfeita das gemas” (ROCHA, 2020, p. 194). Dentre as epígrafes encantatórias que fatiam a obra, destaco a última, de Adriane Garcia, “A tristeza é um sentimento que danifica os pulmões”. E a viagem, para mim, se inicia com a presença de Clarice, como uma dedicatória inserida a título de devolutiva amorosa, plena: “Quero que receba de novo o sopro de vida com que foi concebida” (ROCHA, 2020, p. 14). Clarice, como Luísa, sabia que “Nenhuma perda se parece com a outra” (ROCHA, 2020, p. 16). Narrando o aniversário de vinte ano

MulherArte Resenhas 01 | "Outros cantos": um integrante do cânone literário

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  Outros cantos : um integrante do cânone literário - por Ane Ramos Durante evento com escritores, ao apresentar seu romance Outros cantos como um dos finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura 2017, Maria Valéria Rezende comentou a ambiguidade presente no título de seu livro. Tratava-se de outras vozes, outras cantorias – como o aboio de um sertanejo quando chama o gado – e também outros lugares, outros territórios. Com isso, a autora ampliava as possibilidades de interpretação de sua obra. Outros Cantos flui das percepções de uma narradora mulher de mais de 70 anos que, ao fazer uma viagem de ônibus ao agreste do Brasil, relembra a viagem que fez há mais de 40 anos com destino ao povoado sertanejo de Olho d’Água. Na época, como futura professora do programa de educação para adultos do governo militar, o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), aceitara paralelamente uma missão solitária em pleno regime de ditadura no Brasil: estabelecer uma frente popular que pretendia alast