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Um conto de Carmen Moreno | "Dora"

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  Mira Schendel Um conto de Carmen Moreno Dora Cena 1- Dois dias depois   As pessoas ganharam uma importância especial, depois da traição. Valem mais, depois da traição. Embora tudo o que não seja humano, embora o Sol tenha-se tornado inútil, eu gosto de forma especial quando alguém me dirige a palavra, ou quando o bancário sorri ao me entregar o troco. Alivia-me alguma parte da alma açoitada. Ouço o desconhecido com interesse, porque é preciso agarrar-se a todos quando se sofre. Todos os assuntos distraem o espírito obcecado pela mágoa. O amigo é urgente. Fisiológico. Procuro vários, seguidamente, e disseco meu enredo, repetidas vezes, como a me esvaziar pela exaustão.   A traição já não me surpreende. Conto-a e reconto-a, e, às vezes, de tanto repeti-la, parece-me não mais ser a mulher traída. De tanto repeti-la, a emoção mecaniza-se, a dor se amortece. Esse exercício me distancia por momentos do peso de um sofrimento mudo, do exílio da dor não compartilhada. Porque há o moment