Postagens

Mostrando postagens com o rótulo Literatura Feminina

Libertação imperdoável - crônica de Ivy Menon

Imagem
imagem de autoria de Nestor Villacampa Libertação imperdoável* por Ivy Menon Eu tinha dezesseis anos e ainda morava numa casa miserável perto do buracão de lixo, no fim da rua. O banheiro no meio do bananal. Não sofríamos com as faltas próprias dos que habitavam abaixo da linha da pobreza. “O amor cobre multidão de pecados”, aprendemos no texto sagrado. Meus pais se amavam. E também a nós.   No meio da miséria e da consequente invisibilidade, a perversidade se alastrava. Tínhamos muitos vizinhos. Quase todos espancavam suas mulheres. Vivíamos sob o signo do “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. O pai não permitia que sequer conversássemos com os meninos da vizinhança sobre o assunto. Baixávamos os olhos às marcas roxas no rosto das nossas parceiras de fome e dor.   Assistíamos, desesperados, a violência sofrida por Dona Arlete e suas oito crianças que moravam do lado. O homem da casa, aquele que mandava em tudo e arrebentava, no cacete, a mulher e os f

Nossa Senhora de um cacho só - crônica de Ivy Menon

Imagem
Pietà - Michelangelo Nossa Senhora de um cacho só O dia da primeira comunhão chegara para minha irmã,  mas ela estava triste e envergonhada. A mãe costurara à mão   um vestidinho branco de amorim, quarado no sol e passado com o ferro de brasa, para combinar com a coroa de florezinhas de plástico presas em uma tiara de arame encapado com crepom.  Ela usava um velho par de tênis azul, nos pés. Há muito tinha notado a diferença entre as suas roupas e as das amigas. Não estava contrariada com aquilo. Acostumara-se. Estava infeliz porque, enquanto fazia o catecismo, aconteceu de lhe sair um furúnculo na cabeça. No couro cabeludo, bem no meio do cocuruto.  Do tamanho de um ovo de galinha. Sofreu como gato no saco.  Muito tempo de dor, além de ter que suportar o deboche que pendia dos dentes cariados das crianças de sua rua, a rirem e a apontarem seu imenso tumor-unicórnio .  Furúnculo tem tempo certo para ser espremido. A mãe esperou amadurecer. Apontar o bico para, então, ape

Os Montes - Um poema de Ingrid Morandian

Imagem
Fotografia por Ninil Gonçalves Os Montes permitiste que o oráculo fechasse as portas dos olhos, somente Deus poderia desfazer a xilogravura da parede a gravura retrata as lavadeiras de Minas, a terra dos Montes as mãos das lavadeiras transpõem a corredeira vinda do povoado migram teu corpo translúcido para o cativeiro descalça, confabulo com o misticismo das águas das lavadeiras não ouço os gritos nos montes, com o chamado do boiadeiro foi-se a lucidez do dia, as lavadeiras vão embora imagens de uma memória: casas pequenas, o olhar vago materno rasgando por dentro nos meus escritos me liberto o silêncio desintegra os diálogos da minha irmã o silêncio mimetiza os dedos da mãe morta foto por Roberto Cândido Ingrid Morandian nasceu em São Paulo(SP), onde reside. Participou de várias antologias. Publicações: Água Terra Fogo Ar – Crônicas elementais, Ed. Uapê , 2011 – História intima da leitura, Editora Vagamundo , 2012 – Revista Pl