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Uma narrativa e dois poemas de Janete Manacá | "A menina que nunca deixou de sonhar"

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  Quang Nguyen Vinh. Fonte: pixabay.com. Uma narrativa e dois poemas de Janete Manacá A menina que nunca deixou de sonhar   A madrugada estava gelada. O sono era intenso, o corpo tenso não descansara. Não havia nada que conseguisse aquecer os pés e as mãos. Mesmo com uma pilha de colchas e cobertas sobre o corpo. Até o galo com insônia cantou. Desafinado e antes da hora. Penso que também estava incomodado. O cheiro forte de café recendia por toda a casa. Risquei o fósforo e acendi a lamparina. Abri a janela. Um ar gelado invadiu o quarto. Daqueles de trincar as bochechas e avermelhar a ponta do nariz. O sereno congelado repousava sobre a verde pastagem. Tempo de geada. Saí no quintal. O telhado da casa estava coberto com flocos de gelo. Era tempo de colheita de café. Não tínhamos tempo a perder. Peguei meu chinelinho de dedo debaixo da cama. Coloquei meu surrado paletó de flanela. Seguimos o carreador em meio ao pasto. Passamos a porteira e entramos na estrada de terra entre a mata fec

Nossa Senhora de um cacho só - crônica de Ivy Menon

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Pietà - Michelangelo Nossa Senhora de um cacho só O dia da primeira comunhão chegara para minha irmã,  mas ela estava triste e envergonhada. A mãe costurara à mão   um vestidinho branco de amorim, quarado no sol e passado com o ferro de brasa, para combinar com a coroa de florezinhas de plástico presas em uma tiara de arame encapado com crepom.  Ela usava um velho par de tênis azul, nos pés. Há muito tinha notado a diferença entre as suas roupas e as das amigas. Não estava contrariada com aquilo. Acostumara-se. Estava infeliz porque, enquanto fazia o catecismo, aconteceu de lhe sair um furúnculo na cabeça. No couro cabeludo, bem no meio do cocuruto.  Do tamanho de um ovo de galinha. Sofreu como gato no saco.  Muito tempo de dor, além de ter que suportar o deboche que pendia dos dentes cariados das crianças de sua rua, a rirem e a apontarem seu imenso tumor-unicórnio .  Furúnculo tem tempo certo para ser espremido. A mãe esperou amadurecer. Apontar o bico para, então, ape