QUATRO POEMAS DE MARIA EMANUELLE CARDOSO
ALGAS VERMELHAS
na primeira vez que entrei no rio
fechei os olhos e mergulhei profundamente
fiquei com gosto de areia e sangue na pele
passei então
a mergulhar como quem para a noite se despe
não completamente, apenas o suficiente
sabendo que tanto na noite quanto no rio
a Areia sempre vem
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NAMAZU
os peixes-remo medem aproximadamente seis
metros.
quando aparecem, dizem aos japoneses
que é tempo de terremotos.
a gramática diz: sua saída causa terremoto.
o beiço diz: o terremoto causa sua saída.
hoje, quando se vê um peixe-remo
sabe-se que é tempo de terremotos e tsunamis.
as relações da causa e consequência
do influxo e efluxo de humanos, por outro lado,
ainda não são totalmente conhecidas.
há quem diga que todo humano
é prelúdio de incêndio.
há quem acredite que toda carbonização
é prelúdio de humano.
não se sabe se houve guerra
porque existem humanos
ou existem humanos
porque houve guerra.
aos humanos quando os vemos resta contar a lenda
de um primata que corre como planta
se esconde como pirilampo
contempla kintsugi
e sabe como provocar terremotos.
fotografia de peixe-remo, via Google
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RESPIRAÇÃO DE BICHO FORTE FAZ FERIDA NAS PAISAGENS
alguns arqueólogos acreditam
que a idade das pedras lascadas
trata-se na verdade
da idade das pedras estilhaçadas
a mudança se dá porque acreditam
que os primatas não lascavam
com atrito de lagarta pedra por pedra
e sim com os estilhaços
da queda faziam suas lanças.
lançaram o artigo com o título:
fazer armas com os estilhaços que nos caem
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FORAM OS SURUBINS A INAUGURAR A ORALIDADE
I.
estranhas as tilápias
no teu rio,
matutas.
este tambaqui não é daqui,
bem sabes.
II.
ao abrir o rio
com as têmporas
sentes areias,
fluxo exógeno
de mexilhões-zebra.
III.
queres mergulhar na noite,
beber pirás e estrelas.
navegas no céu noturno,
cheio de fonemas.
IV.
também tu és
peixe-lanterna
criando luz nas têmporas,
para remar
na exsurgência
da escrita.
V.
conta a história
de teu bagre-pintado
aos pequenos
do teu território.
imortaliza o peixe
através da tua
história-memória
VI.
choram os astros
de memórias do piau.
e em teu olho d’água
nascem
palavras-piabas.
VII.
o ferro nos adjetivos
o cobre nos predicados
o alumínio nos sujeitos
são cacofonia nas várzeas
assoreadas-atingidas
da sua foz-voz.
VIII.
tu e o surubim
inauguram
com bexigas natatórias,
a mesma fonética.
reconquista a linguagem,
restaura a margem.
IX.
a água
te mostrará o caminho,
todo caminho é linguagem.
dela não sairás vivo,
sairás verbo.
imagem do Pinterest
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fotografia do arquivo pessoal da autora
MARIA EMANUELLE CARDOSO nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 15 de novembro de 2000.
Graduada em Ciências Biológicas - Bacharelado, pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, em 2023. Atualmente cursa Mestrado em Biodiversidade e Uso dos Recursos Naturais (PPGBURN), na mesma instituição.
Além de bióloga, é poeta e educadora popular. Realiza pesquisas na área de etnoecologia, com ênfase no campo de redes de troca de sementes e mudanças climáticas.
Seu livro de estreia, AMARELO MOSTARDA, do qual foram extraídos os poemas desta publicação, foi publicado em 2024, pela Editora Nauta (Barueri, SP). Seus poemas foram publicados em mais de 40 antologias e em revistas, em português, espanhol e inglês. Recebeu o segundo lugar do "Prêmio Poesia Agora Verão 2021" (Trevo), e foi selecionada para o "Clipe Poesia 2023", na Casa das Rosas.
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