CINCO POEMAS E UMA PROSA POÉTICA DE IVA FRANÇA
fotografia do arquivo pessoal da autora
CRÍVEL
Porque escrevo e sou capaz
De apontar o dedo
Para meus próprios anseios
Também tenho vontade
De negar sua veracidade e devaneios
Porque escrevo
Não quero que duvides
Nas histórias descabidas
Apontadas no fio das linhas.
Muitas vezes não são fingidas
Porque escrevo
Me deixe no sossego adormecido
Sei que te parece inverossímil
Palavras tortas
Numa pele de pêssego
Mas, porque escrevo
E pareço um inventário dândi
Não significa que detenho toda a razão
É que deambulo vivência
Para dar vazão ao verbo
De um todo libertário.
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CAROLINA, MARIA, JOANA
Carolina acorda às quatro horas da manhã
Vê o amarelo-alaranjado do crepúsculo
Por cima do zinco do barraco
Não tem café para coar
Maria toma o trem das cinco
O estômago amarrotado pelo suco,
O gástrico, da noite anterior
Não teve café para coar
Joana leva as crianças até o ônibus escolar
Todos os dias, exatamente às sete da manhã
Filhos da patroa
Não sobrou à ela nem um gole do café que foi coado
Carolina catou folhas
No papel cheio de digitais pretas
Revelou-se, embora fosse tão fácil vê-la passar pelas ruas chuvosas
Maria volta para casa com uma única refeição no estômago
E se preocupa com os que lá ficaram
Teve merenda na escola? – É sua única refeição!
Joana viu os filhos da patroa tornarem-se doutores
E hoje, sua filha faxina o escritório dos patrõezinhos
Seus olhos brilham com os livros
Carolina protagonizou histórias de Marias e Joanas
Espalhadas por esse país de meu Deus
Elas querem saber: – Onde estás felicidade?
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COSTURA DE SI
Ela costurou toda a vida.
Arrematou com cada linha
As fissuras do tempo.
Fia na linha as miçangas que
Sustentam as histórias inventadas
Das coisas que não se permitiu viver.
O tempo pouco lhe importa
Neste agora. Abandonou tesouras.
Põe na conta uma infinita lista
De eu fui, eu fiz, sem ter ido,
Sem ter sido – efeito – feliz.
Mulher atravessada por desejos
Reprimidos, inventa felicidades.
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SALTO, SACO E SACOLÉ
(poema em eco com a poesia de Paulo Leminski)
Cabelo de guerra, amarrado em paz
No salto que salta, no saco de pipoca que jaz
Um bilhete vencido do gás
Feijão de ontem virou purê
Roupa no varal, gritou: “cadê?”
E a calcinha bege sem graça,
Voando, foi pra tevê
Ela samba com chinelo furado
Faz faxina, faz fuxico, faz fiado
E ainda sorri no recado
Eh mulher!
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QUANDO AS PESSOAS FICARAM EM CASA
Quando as pessoas ficaram em casa
Lembraram uns dos outros
Uns cozinharam cozidos jamais preparados
Uns meditaram sobre esse feito
Uns cruzaram suas pernas frouxas no sofá
Sem compromisso com o tempo
Uns pararam para ouvir histórias da infância
Estacionadas no álbum antigo
Uns fizeram benzo de gratidão
Pela oportunidade de se reunirem à mesa do jantar
Uns perceberam que foi boa a comunhão
E dançaram
Vibrando àquelas pessoas do coração
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SOU UMA MULHER QUE ESCREVE
Sou uma mulher que escreve. Sou uma mulher que desacelera em tempos fúteis de série na tv para desopilar. Uma mulher que corre no calçadão atrás do ônibus perdido. O sol me escalda os miolos moles, perdi o compromisso. Tiro dos pés o sapato de boneca, tomo o caminho oposto e enfio os pés na areia. Irresponsável, eu? Sou uma mulher que se despediu do meu sangue sagrado, não devo mais nada a ninguém. Nunca celebrei seu fim. Parece que algo me dizia o quanto eu sofreria.
O meu sangue não desce mais entre as pernas, mas ele ferve no meu corpo. Eu preferia que saísse, assim o meu rosto não ferveria. Fui geradora um dia. Sou mulher no feminino e no masculino. Acendo fogueiras, destravo potes de conservas, tomo dúzias de taças de vinho e pinto as unhas de bordô. Nos lábios não uso vermelho, não. Sou uma mulher que goza (?) e quero! E faço gozar. Tenho minhas vontades. Faço vontades. Sou uma mulher nua de preconceitos bestiais. Tenho nos olhos todos os amores e, no corpo, memórias. Os melhores e os mais silenciosos desejos.
Sou uma mulher que sente, através da minha própria essência de mulher, êxtase. E tenho espasmos. Me sento em desalinho. Sou uma mulher que deixa a poeira para depois. Não canso de dizer, redizer, desdizer e deitar os meus pés numa rede de xadrez azul. Vivo os meus instantes. Me construo e reconstruo no meio de tudo, às vezes ultrapasso limites. Ainda que você me olhe torto, escrevo.
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IVA FRANÇA é uma artista brasileira que une palavras e cores em colagens únicas, inspiradas em seus próprios poemas. Com uma visão poética e sensível, ela transforma emoções em arte. Sua jornada artística começou com a escrita, onde encontrou um refúgio para expressar sentimentos e pensamentos. Aos poucos, sua criatividade transcendeu as palavras e se manifestou em colagens e fotografias que dançam entre a realidade e o sonho. Cada obra é um capítulo de sua história, um reflexo de sua alma. Com técnicas mistas e materiais variados, Iva cria universos íntimos, convidando o espectador a mergulhar em seu mundo interior.
Iva é escritora. Pesquisadora da escrita de autoria feminina. Mestre em Estudos Literários, Especialista em Leitura e Produção Textual, em Literaturas Portuguesa e Africana. É Artivista. Escreve em jornais e revistas literárias. É Poeta no Portal Fazia Poesia. Publicou os livros Flor de Maio-Poemas Oferecidos (Editora Multifoco, 2013); Lola - Todas as Mulheres (Editora Ases da Literatura, 2022); Caderno de Rascunhos (Editora Voz de Mulher, 2023); e O Lúdico Poético em Nós (Edição Independente, 2023). Membro da Academia Vianense de Letras em sua cidade Natal (MA) e do grupo de Pesquisas PROFJUS da UERJ-FFP. Seu estilo é uma fusão de surrealismo, expressionismo e poesia visual, influenciada por grandes nomes da literatura e arte moderna.








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