A POESIA FANTÁSTICA DE MARIANA BASÍLIO | PROJETO 8M



fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M (*)

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)


Mergulhe na poesia fantástica de MARIANA BASÍLIO:


XLVII

Todo escritor é um país estrangeiro.
Quando ultrapassa os limites do

seu coração ao cutucar
o fundo de um
silêncio, que
escapa aos
próprios
sentimentos.

Um estrangeiro de flores
rasgadas no fundo do peito.
Nos pomares desérticos de
antigos pensamentos.

Mesmo sendo poeira.
Mesmo tendo um ar pueril
que dissecaria um oceano.

Caminhando no céu
que engole,
na vida que esgana as
contas de sangue,
as gotas do tempo –
que não perdoam
o côncavo dos dedos.

Estrangeiro.
Ao sonhar alto demais
num topo de voz
que não se ouve
e
que
NUNCA
se imaginaria
tão luzente.

Em arqueiros
de nuvens
a dançar
ruas
e
carmins
em
futuros
passos.

Aos berros dos
pedregulhos,
nos acalantos
de casas que
apertam
nossas palavras
contra o peito.

A escalar
o silêncio das águas.
A ser navegante,
a ser
correnteza.

(* poema do livro Sombras & luzes)

capa do livro Sombras & luzes 
-*-


[...]

(DA EXPERIÊNCIA)

O silêncio soturno se exalta.

O corpo plano se estende na alma. 
O cálice dos quatro cantos se farta.

Sozinha, vago entre os muros.

No âmago de ser experiência.
No álamo de ter parâmetros.

Vivendo no que se preconiza.

Aos trinta e dois anos de idade.


O vazio das absurdas encostas.
O caminho dos vis ardores.

Na neblina de árias vozes,
Reparo no que não se nomina.
No núcleo cerebral se entranham
Malícias e rasuras celebrando a
Transcendente dinastia humana.

Inútil, reflito as sujeições em vias
Incompletas - sou a fome que
Abastece inúmeras respostas vãs. 

Do nada voltaremos ao nada, dizem.

Tracejando os sentidos físicos nas
Constantes criações, em sequências.

Cavada na astrologia e nas ciências
Ocultas: vago coberta de enxames.

O que derramam nos altares são enganos.
O que derrubam nos degraus são orações.

Porém, ouso retirar dos latentes ardores os
Desejos viscerais da própria andança -
Ouso repousar sobre os mistérios. 

Inerte. Penso, repenso e observo.

[…]

(* excerto de poema do livro Tríptico vital)

capa do livro Tríptico vital 
-*-


DESGASTE

Este é o ano dos cães raivosos
conseguirem atacar as lebres.
Do ranger do ódio e da fala,
que não sabem o que é perdão.

É o tempo dos falsos profetas
aglomerarem seus fiéis de máscaras,
enquanto o vírus os corrói nas
babas de mães, pelas cabeças.

O afago e o elo nulo dos que ali
conversam são quase extintos pela
política de dados divergentes, e
pelos anos que se afastam no
incêndio do prédio – e ainda molham
a roça que não pisamos mais.

As melancolias insolúveis: secar
o sol e quase crer na urdidura.
É cedo, e não morrerá ninguém
mais, enquanto o país que
não se cuida e só se engana
passar sorrindo, mesmo devendo
profanar a dor, ao despertar.

(* poema do livro Mácula)

capa do livro Mácula 
-*-


ORIGENS


O som do primeiro sopro. 
A vogal submersa, sola. 
A luz veloz é contínua. 
O forro da forma dobra. 
Ele senta, ela fala. A língua 
solveu sentidos e os molda. 
Ele, mundo, sereno salivar: 
Sopram o desejo na maçã. 

II

O que chamaram de Jardim; 
Era uma vez, a mata. Frutos. 
O sol chispa pela letra curva. 
Era uma vez, árvore primária. 
Húmus era o céu rangendo. 
O silêncio, formado da pedra. 
Humanos como bichos turvos, 
o antes de qualquer incêndio. 

III 

A casa foi antes oca, antes chão. 
CASA, CASCA, CAVA. O corpo 
vem e dorme, séculos depois. 
O primeiro ronco é rotineiro: 
Distribui aos sons um novelo.

** 

O berço foi antes tronco, antes gozo. 
BERÇO, BAÚ, BOCA. O corpo 
ainda regurgita, milênios afins. 
A túnica única, fuga, nascimento: 
Os últimos serão os primeiros. 

***

O sangue foi antes água, antes óleo. 
SANGUE, SUOR, SUMO. O corpo 
ainda aguenta, segundos antes. 
O fundo díspar, repente à caça, 
um grito profético é descoberto: 
eles serão o que não se mede.

(* poema do livro Pangeia: a etimologia do ser)

capa do livro Pangeia: a etimologia do ser 
-*-


AO DESPERTAR DE UMA LUCIDEZ TAMANHA

Ao despertar de uma lucidez tamanha.
Ao despertar dos sonhos de crescimento. 
Uma imagem se amplia na garganta,
Descobrindo nas coisas consentimento.

As coisas, que não são feitas pela garganta.
As coisas, que se movem conforme o tempo.
No mundo que coordena o fundo das vozes.
Quando os nós, em nós, se desenrolam
Conforme o dia se agita, constantemente.

A calar  a força dos timbres: as coisas.
Sobre nossas cabeças trêmulas se adiantam.
Um colapso, um ardor, frêmito, face a face,
Entre a pétala rasgada de lucidez e o que veremos.
Veias pulsando na maciez dos instantes.
E o destino a destruir novamente. Pisando
forte e descompassado, em pessoas diferentes (...)

(* poema de dezembro/2016, extraído do site www.marianabasilio.com.br) 

-*-

(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.

fotografia do arquivo pessoal da autora 

MARIANA BASÍLIO é natural de Bauru/SP e atualmente reside em São/SP. É graduada em Pedagogia e Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), é escritora (prosadora,  poeta, ensaísta), e tradutora de diversos autores americanos e latino-americanos, entre eles, Alejandra Pizarnik, Denise Levertov, Edna St. Vincent Millay, Emily Dickinson, May Swenson, Silvina OCampo e Williams Carlos Williams. 

Vencedora do prêmio 'ProAC 32/2017', do Governo de São Paulo, com o livro 'Tríptico Vital', dedicado para Hilda Hilst. O livro também foi um dos 11 finalistas da 'Residência Literária do Sesc 2018'. Em 2020 recebeu da Secretaria de Cultura Do Estado de SP o 'Prêmio Por Histórico de Realização Em Literatura' (ProAC Expresso).

Colabora em diversos portais e revistas nacionais e internacionais de literatura.  

Mantém o site: https://www.marianabasilio.com.br.

Livros publicados: Nepente (poesia, Giostri/2015); Sombras & luzes (poesia, dedicado ao poeta português Herberto Helder, Penalux/2016); Tríptico vital (poesia, Patuá/2018, premiado com o 'Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo' – ProAC 2017, e finalista da Residência Literária Sesc 2018); As Três Mal-Amadas (plaquete/2018); Mácula (poesia, Patuá/2019, prêmio proAC 2019, selecionado pelo Programa Minha Biblioteca 2021 do município de São Paulo); Pangeia: a etimologia do ser (poesia, Biblioteca Pública do Paraná/2020, Prêmio Biblioteca Digital). 

Na prosa contemporânea participou com um conto da antologia Geração 2010: O Sertão é o Mundo (2021, Org. Fred Di Giacomo, Reformatório). No final do segundo semestre de 2020 recebeu da Secretaria de Cultura Do Estado de São Paulo o “Prêmio Por Histórico de Realização Em Literatura”. 

Mantém o site: www.marianabasilio.com.br



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