Para não dizer que não falei dos cravos 01 | Sete poemas de SEH M. PEREIRA

 
Para não dizer que não falei dos cravos (01)


Sete poemas de SEH M. PEREIRA, em: 

"DISTANTE COMO OS DEUSES SURDOS"



AÇUDE (pp. 5-6)


severina atravessava o rio com a vista.
e via o velejo partindo
                                           a perder de vista

se pudesse
                      construiria uma barreira no rio, com as
pedras do caminho
ninguém consegue manter a guarda
levantada, de suas lembranças, por muito tempo 

severina atravessava o rio com a vista

e ia, pérola
                       até onde a vista alcança.

via: o veleiro, o pescador, o aceno
o longe 

                e vesgava o joelho em sinal de reza.


e sem escudos:

ou atiro-me no rio e despeço do veleiro
ou não peço ajuda e 
jogo fora os remos.
concha da concha do mar
                                                e que não se perdeu.
severina.


ou recuso a minha própria ajuda
e jogo fora os remos
ou despedaço as esperas e finjo paciência;
mas viver à deriva,

isso eu não consigo

-*- 

fotografia do arquivo pessoal do autor


CÂNULA 
(p. 11)


e, de gota em
gota,
um entrelaçar-se das cordas bambas
tracejadas, que
além de equilíbrio me propõe
preenchimento; um manter-se em pé ao
sopro dos barros de um semideus. 
das diferenças que torna-me
parelho as

vindas; um destino fecundo

é fecundo
ao seu modo. um batismo que me
une a outros
sobrenomes, além da certidão de idade. 
um chão cru, de
longe ir; onde permito-me mesmo sem
saber, ao

certo, meu destino

-*-


IBIDEM
(pp. 97-98)


me deu os passos

e eu fiquei.
fingiu errar o pisável para fazer-me sentir menos pior.
pisou em meus pés, e eu lhe pedia desculpa
e retomava, sempre,

de onde parou.
errava, e ria de si
enganava até os meus percalços
pisava em meus pés e segurava-me na
sua sina, nos seus enganos.
fingia a perda, mas retomava logo em novas vindas
fingia-me o finito, mas

carregava as nossas alumias.
desperdiçava os acertos.
descalcei meus novos sapatos que
não me carregam, e os abandonei.
o recomeço do passo vem de quem acertou e

o outro quer sempre não desligar a vitrola.
não calei a canção, e
remocei de onde parou.

subiu nos meus passos
e sem pedir-lhe para descer, eu fui

indo, indo
e me desarrumei de toda despedida

-*-


HALO
(p. 104)


represei, engolindo o choro,
o rio que

dentro de mim corria em desencontro

desequilibrando o corpo, a
lata d'água se endireita e o torto não se vê.
represei o rio, engolindo o choro

atravessando a nado


ando colecionando saudades

trocando passos com as
lembranças que antes fugiam de mim

-*-

capa 01 do livro Distante como os deuses surdos 


REDINGOTE
(pp. 123-125)


a cura; da roca viva, os
giros dos ponteiros. das
contrações  de
um
quarto gestante. do

enovelamento, não como os
outros
emaranhados de
linhas descontínuas qe me silenciam. grito
tudo

sem saber o
que deve ser adiado, mas
às vezes tento
não impacientar tudo que
acredito. conservo os nós que me unem
aos cordões umbilicais, e tento
reapropriar-me dos
meus

passos deixados. conservo em mim a
fé de minha

avó,
fiandeira do meu tempo. às vezes 
permaneço adiado nos
vãos que se anunciam através da
incompletude das linhas tracejadas, e me
propõem preenchimento. tento ter
mais pressa que os ponteiros
que continuam dando-me
giros, mas

às vezes 

permaneço vão. vãos de uma
linha tracejada que me
propõem preenchimento; a

cura; roca viva, os
giros dos
ponteiros; minha fiandeira do

tempo. tendo a um
só santo
etiqueta, mas às vezes este de 
 casa se torna a
minha própria ordem de

despejo. às 
vezes tento conservar o meu
resto de grito; às vezes 
tento
a

paciência de falar de milagres que
não cheguei a ver. às 
vezes tento me
aproximar dos meus outros
natos. dos
meus

ditos, ou silêncio,
nada têm de
definitivo. permaneço no mudo raso, ou
concepção, do meu velho par de 
sapatos que reaprendem a

gastura

-*-

capa 02 do livro Distante como os deuses surdos 


PERPASSO
(p. 130)


tenho nos meus olhos um
sorriso bobo
tenho nos meus olhos um sorriso de
canto de olho

com poucos modos
                                     mas sincero

-*-


ZIGOTO
(p. 134)


talvez a poesia seja esta
pipa que acabou de cair no meu telhado, agora
que

estou velhinho

-*-

fotografia do arquivo pessoal do autor 

SEH M. PEREIRA (Sergio Martins Pereira dos Santos) é ator, dançarino e compositor. Natural de São Paulo/SP, onde vive. Publica cotidianamente sua poesia nas redes sociais e participa de saraus na cidade de São Paulo. 

Participou da Antologia Sarau O que dizem os umbigos?, e publicou o maravilhoso livro de poemas Distante como os deuses surdos (São Paulo/SP: Edição do autor, 2022).

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@sehmpereira
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