A POESIA, O TRAÇO, A FOTOGRAFIA DE RAQUEL CAROLINA CARDEAL | Projeto 8M

fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)


fotografia do arquivo pessoal da autora 

Mergulhe no traço, na poesia e no olhar fotográfico de RAQUEL CAROLINA CARDEAL:


desenho da autora

fotografia do arquivo pessoal da autora 


Não adianta limpar os dentes:

é falsa a dentadura que ilumina o espelho.

Equilibrar um copo na cabeça 

e nele uma mulher que jamais me seguirá, 

tudo isso é ilusão.

Nem inventar cafés cômicos 

ou tentar arrancar de uma mão o que não existe.

Mentiras são balelas forjadas 

entre gotas de suor e aflição contínua.

As ladeiras ainda me perseguem 

enquanto os ônibus já rodaram cerca de mil horas comigo dentro.

E eu nunca consegui levar comigo um par de poltronas.

Os dados são generosos em alimentar-me inúteis esperanças. 

As cartas nada falam. 

Os astros explodiram. 

Branca de Neve sumiu. 

Alice, a alucinante Alice desapareceu com o coelho. Nenhum chapéu me leva mais longe que aqui mesmo.

Mas o que eu queria contar não era nada disso,

eram coisas e mais coisas acontecidas 

nos tempos que puderam florescer as hastes das plantas dos nossos pés

- elas foram róseas, elas foram de ouro -

eram tempos de antanho.

Hoje eu só tenho que pedir perdão por isso tudo.

Por ser um buraco no chão. 

Por ser um calo.

Por ser um motivo qualquer que eu não compreendo.

Por marcar um antes e um depois.

O meu próprio tempo - o outro - 

criou separações 

criou discórdias

criou o que eu na verdade não queria. 

Algo que parece irreversível. 

Não sei o que pensar.

Não sei o que dizer.

Talvez eu queira de novo a minha solidão.

Não vivo uma vida de linha contínua,

eu vivo fases de ir e vir, 

de jamais permanecer.

(* Raquel Carolina Cardeal, poema sem título e sem data - registrado em meu 'caderno de anotar motivos nº 01')

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fotografia do arquivo pessoal da autora


desenho da autora 


Fugir para que lado agora?

A terra não me quer

o céu não me quer

mal me quer a lua

mal me quer o sol

mal me quer, bem me quer

e quem bem me quer eu não percebo.

Não sei.

Não acho forma 

não tenho cor

não tenho cheiro.


Estradas interditadas

vontade de desaguar.


Tenho medo

de ficar contente de repente

de de repente ser feliz

ganhei mais tristeza do que esperava

mais rompimentos 

secções 

pedaços de nós. 


Tenho medo

de ficar esperando o trem por toda a vida

de não chegar o tempo de ser alegre

de não conseguir tomar o bonde 

de não alcançar o navio

de cair quando estiver voando

de não conseguir pedalar contra esse vento

de não ter cura esse gosto amargo

de não enxergar quando o sol nascer de novo

de não saber falar quando um irmão voltar da guerra.


Medo de não ter gesto algum

para receber os novos caules,

as novas sementes, os novos frutos,

os novos ventos e as novas folhas.

Medo de não ouvir quando baterem na janela.

Na porta, no ombro dessa vida toda.

Na alma - carregada, um dia, de esperança -

como num sonho bom.


Mas ainda tenho medo

é de não perceber quando alguém vier para falar

que o dia já saiu do calendário 

e que no jardim uma outra flor nasceu

- que todos já despertaram -

medo de não ouvir, de não ver,

de nem ao menos poder responder

que já não posso mais despertar.

(* Raquel Carolina Cardeal, poema de 13/09/1981 - registrado em meu 'caderno de anotar motivos nº 02')

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quadro da autora


fotografia do arquivo pessoal da autora 


Nascemos de um silêncio 

às vezes, constrangedor

às vezes, silêncio de humano amor


Do silêncio que somos

espia o cósmico-sagrado

por entre o que não somos.

(* Raquel Carolina Cardeal, poema de 1989)

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quadro da autora


fotografia do arquivo pessoal da autora 

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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.


fotografia do arquivo pessoal da autora 


RAQUEL CAROLINA CARDEAL é natural de Brusque/SC e, depois de ter morado no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e em Belo Horizonte, há muitos anos fixou-se em Curitiba. 

É graduada em Desenho pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná - EMBAP e em Design de Móveis pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR. 

Além de desenhista artística e design de móveis,  exerce atividades profissionais em desenho arquitetônico junto ao IPPUC - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Também é artista da fotografia e da palavra.

desenho da autora






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