A INCRÍVEL POESIA DE DEISE ASSUMPÇÃO | Projeto 8M

 

fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M (*)


Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)


Mergulhe na incrível poesia de DEISE ASSUMPÇÃO:


NÓ VITAL

No oco
o voo
sem cruz
de uma asa

Consciência 
em metade finita
da outra metade infinita
em duas metades
(o antes e o depois)

A folha que cai
pra lá de madura
entrecorta
o diálogo polêmico 
de mito e ciência 
E a filosofia?

(* poema do livro Cofre, p. 12)

imagem do Pinterest 
-*-


ASSALTO 

No cristal impermeável
do espelho do meu quarto,
olhei brincos e batom,
tom de vestido e sapatos,
cheiro de gotas de almíscar,
dobras da seda da gola.

No espelho transparente
do vidro do meu carro,
colou-se um prato de fome,
sobrenome de menino
registrado em cartório
de latrocínio de nomes,
em expediente encerrado.

E eu me vi,
e tive medo.

(* poema do livro Cofre, p. 20)

imagem do Pinterest 
-*-


CONTEMPORIZANDO

O tempo me vestia com mangas compridas
que engalfinhavam as mãos 
e pernas largas.
E eu ficava esperando demorada
o passeio de bicicleta 
e o macarrão de domingo.
E eu pensava que podia guardar
no bolso do pujama de flanela
o pequeno fósforo de artifício já aceso.

O tempo me despe das leituras que nunca fiz,
dos poemas que não escrevi,
dos orgasmos que adiei.
Esconde-se em limpar armários 
e arrancar ervas daninhas
numa indolência que leva a semana
à prestação. 

O pêndulo é o mesmo da casa antiga
e eu já nem sei se na eternidade 
terei de volta o amor,
ou o que fugiu nos amando,
ou o que ficou nos perdendo.

(* poema do livro Cofre, p. 31)

capa do livro Cofre
-*-


HERANÇA MATERNA

Agora que já te foste
fiquei a reaprender
a lição do berço de ser poeta:

Se tu vinhas
e eu te via,
então tu eras.
Mas tu ias
e te acabavas.

Teu vaivém 
me deu a luz
de saber-te ser
quando não te via,
de imaginar
que tudo é. 

Quero saber que inda tu és 
 e assim crerei
que também sou.

(* poema do livro Cofre, p. 45)

imagem do Pinterest 
-*-


DESIDRATAÇÃO 

Torci-me
das entranhas nenhuma gota
do coração nenhuma rima
da alma nenhuma prece

É hora
de deletar gavetas
aquele papel de bala relíquia 
e seus comparsas
repartir as fotografias entre os filhos
doar os livros

compactar-me espírito 

incinerado o corpo
nem cabelos
à profanação 

(* poema do livro Cofre, p. 89)

imagem do Pinterest 
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nem sono nem choro
não cegou
o pêndulo da casa antiga
não imobilizou
as teclas do piano
não sugou
nem cólicas 
nem balbucio
nem riso 
(colo sem éden)

(* poema do livro Relíquias de anjo)

imagem do Pinterest 
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o útero da terra acolhe
(caverna a partejar éden)
o útero do útero 
do meu útero 

(* poema do livro Relíquias de anjo)

capa do livro Relíquias de anjo 
-*- 


MEMORIAL

um vírus do outro lado do mundo
(medo em horizonte)
rotina de sobreaviso

aviões e aeroportos 
(qual as estradas de Roma
na peste Antonina)
aqui o aportam
no viajante identificado
(o medo paira)

ei-lo
sem rédeas sem trilhas mapeadas
em cada objeto abraço bom-dia
respiro tosse espirro

amordaçam-se lojas escolas igrejas lares
notícias links vídeos atabalhoam as fibras óticas 
a paranoia corre nas veias

sapatos às portas
mãos escangalhadas em álcool e água clorada
exército em ordem de batalha

o inimigo invisível 
desvela a fenda profunda
que atravessa a carne da nação 
(uns com armas nas mãos 
muitos desarmados em miséria)

a máscara - compasso de espera -
(a vacina marcha no horizonte)
usurpa batom e bigode
nas passarelas em feitios e cores
apazigua de leve o medo

e em ausência em tantos rostos
a máscara desmascara sovinas ânsias 
descompromisso consigo contigo conosco
ignorância e loucura

(* poema da coletânea Dias distantes, pp. 21-22)

capa da coletânea Dias distante
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.

fotografia do arquivo pessoal da autora 


DEISE ASSUMPÇÃO é natural de Pirassununga/SP e reside em Mauá/SP. Poeta, graduada em Letras, com especialização em Literatura Brasileira, atualmente aposentada, atuou por muitos anos como professora de Língua Portuguesa e Literatura no ensino fundamental e médio.  

Livros publicados: Cofre (poesia, Santo André/SP: Alpharrabio Edições, 2003); Relíquias de anjo (Coleção PerVersas - Literatura de autoria feminina, Vol. III, Santo André/SP: Alpharrabio Edições, 2017).

Participação em antologias e coletâneas: Dias distantes (org. Dalila Teles Veras, Santo André/SP: Alpharrabio Edições, 2021); ABCDelas Poemas (org. Carmem Sanches e outras, Editora Clóe, 2022); As mulheres poetas na literatura brasileira (org. Rubens Jardim, Cajazeiras/PB: Arribaçã, 2022); entre outras.




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