XI Tertúlia Virtual: Poesia e Empoderamento Feminino




 

TERTÚLIAS VIRTUAIS | 05

- por Marta Cortezão


Após uma longa pausa, por aqui, por esta despretensiosa coluna Tertúlias Virtuais, retomo minhas andanças poéticas pela literatura contemporânea de mulheres, poetas, escritoras que me concederam, gentilmente, o prazer do abraço poético, ao participarem do projeto Tertúlias Virtuais, o qual já vem construindo história nas redes sociais desde 23 de agosto de 2020. A XI Tertúlia Virtual:Poesia e Empoderamento Feminino, encontro poético sobre o qual me debruço hoje, aconteceu no dia 06 de novembro de 2020, na companhia das poetas convidadas Francis Mary (Acre), Lucirene Façanha (Ceará), Mary Paes (Amapá) e Felicidade Guerreiro (Portugal).




As tertúlias virtuais têm propiciado este espaço de interação, de construção de relações sociais, afetivas e poéticas e de fortalecimento do coletivo literário feminino, porque conecta vozes e olhares do feminino neste espaço virtual que se configurou como espaço de aprendizagem, numa abordagem dialética que busca outrar-se na poemática alheia, pois a principal protagonista é a produção poética da outra poeta. Neste ponto, reside a magia de cada tertúlia que reverbera o empoderamento coletivo através da afetividade, do ver-se atravessada pelas palavras que vêm de outras poéticas, o que chamo de “a poética do abraço”. São as várias modalidades afetivas da expressão que revelam a força de cada palavra professada em cada poema.

É o caminho da experiência/escrevivência simbólica que se (re)faz pelo olhar que “se outra”, que contempla, que para a ouvir e que se aprofunda na carne da palavra do pensamento verbalizado que é meu e que também  é seu, portanto universal. É este trajeto emocional que se persegue a fim de dar com o prazer da leitura de encantamento que emana da coletiva força poiesis.  Mas a poesia também é lugar de transgressão, esta, por sua vez, necessária para garantir o prazer pela escrita, pela palavra que grita e reverbera vozes, rasgando silêncios e anulando interditos.

Charles Peirce[1] diz que “o poeta faz linguagem para generalizar e regenerar sentimentos”. De fato, pois toda criação, por mais simples que seja, nasce no campo das emoções, é lá que elas germinam e cabe à/ao poeta, sob seu olhar “domador de palavras”, “lapidá-las”, regenerá-las, potenciá-las, universalizá-las com o intuito final de alcançar o intelecto do(a) outro(a), o(a) leitor(a). Décio Pignatari[2] complementa este raciocínio, afirmando que “o poema é um ser de linguagem” e o poeta “está sempre criando o mundo. Para ele a linguagem é um ser vivo. (...) É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele cria modelo de sensibilidade. (...) É por isso que um poema é criação pura – por mais impura que seja”.

É com base nesta perspectiva, que apresento aos vossos olhos leitores frações poéticas representativas da escrevivência das autoras participantes da XI Tertúlia Virtual: Poesia e Empoderamento Feminino. Boa leitura!

 

FRANCIS MARY ALVES é poeta de Rio Branco (Acre), com cinco livros publicados: Gogó de Sola/Flor do Astral (2016), Pré-Históricas e Outros Livros (2004), A Noite em que a lua caiu no açude (1998), Gota a gota (1982) e Akiri, um grito no meio da mata (1978):

 

Amazônidas

 

Vem abrindo varadouros

a multidão de índios,

seringueiros e colonos.

Das lendas do rio

saem os botos

que se encantam

em guerreiros.

À frente cavalgam amazonas,

levando nas mãos

o estandarte da libertação!

***

 

Filha da terra

 

Eu nasci aqui,

no meio desse mato

me criei.

Nadei no rio,

bebi água nos igarapés...

Conheço todas as doenças

dessa terra.

Conheço todos os ladrões,

todos os exploradores.

Conheço todos nós:

filhos da miséria,

irmãos da fome

e da esperança!

***


LUCIRENE FAÇANHA nasceu em Morada Nova, atualmente mora em Fortaleza no Ceará, aposentada, escritora, artesã, mãe de Silvia e Adriana, graduada em História com Especialização em Ensino, participou em várias antologias/coletâneas. Em 2019, foi destaque XXI José Telles e segundo lugar com nota máxima 2020 no IFPB. Publicou, em 2020, o livro de contos “O Homem na Janela”.


Rótulos

 

Estava bem, cheguei cedo

Um a um todos entram

Com educação cumprimentam

Mas o que um falou eriçou o pelo

 

Depressão é para orgulhoso

Gente que não pede ajuda

Que não age como adulto

Que é pretensioso

 

Quem são eles, doutores?

Nem notaram que feriram

Uma alma cheia de dores...

 

Gente incauta, sem coração

A tristeza me invadiu,

Rótulos, que falta de compaixão!

***


A metade

 

Em ti minha apatia encontrou impetuosidade

Porque tua intrepidez temperou minha doçura

E seu turbilhão serenou de paz meu ser

Aprendi contigo que meus silêncios eram ouro

Assim descobri mais um tesouro 

Que sua incontrolável voz me revelou

Amei o teu retrato

Tua volúpia

Amei teu jeito

Teus defeitos,

Teu corpo

Teus olhos

Teu cheiro,

Humana que sou,

Amei em ti

O que não tinhas para oferecer

Hoje não questiono se tua ausência foi bem ou mal,

Apenas me submeto ao destino

Que me privou

De ti.

***


MARY PAES, de Macapá (Amapá), é poeta, jornalista e acadêmica de psicologia. Possui participações em várias antologias nacionais e internacionais. Em 2018, publicou seu primeiro livro solo "Das declarações de amor que eu não fiz". A autora, já foi citada em estudos acadêmicos como sendo uma poeta marginal, pela forma despudorada em que se mostra ao público e também pela sua paixão em confeccionar fanzines, que ultrapassam a linha do erotismo e se aproximam da pornografia. Uma poeta sem gêneros... uma alma vagante... um corpo que anseia pelo êxtase.

 

cidadão desmundo

 

não me caibo neste mundo.
não tenho lugar
sou um cidadão desmundo...
vagabundo no altar

mas não sou santo
nem demônio
o céu não me pertencerá
o diabo não me quer
no interstício estou a vagar

eu não me caibo neste mundo
de contradições
joelhos dobrados
e falsas orações

não me caibo neste mundo.
não tenho lugar
será que é isso que eu mereço
por ser assim tão diferente

eu que não sou
ou tu que não és
Gente

***


sou doce

 

sou doce,

mas se me aqueces

e tua boca desce

tenho gosto de sal

***


FELICIDADE GUERREIRO, de Montijo, em Portugal. Atualmente vive em Barreiro (PT). Escreve sobre desejos, memórias, o cotidiano e sobre sua visão da humanidade. A poesia lhe corre nas veias e dela recarrega a alma.  É poetisa de corpo e alma e espera que, de alguma forma, seus leitores/as se encontrem em sua escrita.

 

Minha dádiva

 

És tu meu mar que

Me aconselhas e me acalmas

Fazes parte de meus sonhos

Onde me banho de carícias

Que me adoçam a alma.....

Quero viver a alegria

Desejo o amor

Contigo sempre

A meu lado.....

Poder banhar meu corpo

Em tuas águas cálidas

Que fazem de minha

Pele a mais sublime

Felicidade.....

Quero desnudar-me no

Amor verdadeiro

E poder sentir tuas ondas

Bailando em meu coração.....

Amar sem temores

Liberação divina

Beijos doces

Repletos de desejos

Sem fim......

Meu mar, és minha

Grande dádiva

Contigo partilho

Meus amores

Minhas dores ....

Contigo lavo minha alma

E acalento minha ânsia

De amor intenso

De paixão avassaladora......

Minha dádiva, minha poesia

Carregada de sorrisos

E palavras doces.....

Minha mente sossega

Em teu regaço

Minha poesia é intensa

Linhas que escrevo

Com amor no coração.....

***


Olhar maroto

 

Olhar vibrante que a mim

Cativas

Sorriso maroto que

Me apaixonas.....

Com tuas carícias me

Perco como uma menina

Que olha o céu com encanto....

Tens o olhar que a muitos encanta

E a outros cativa

Somos um só olhar

Num mundo só nosso

Onde vivemos num abraço

Sempre apaixonados.....

Teu olhar maroto a mim

Me fez apaixonar

Por teus encantos tamanhos

Me quero perder.....

Teus beijos o sonho

De qual não quero acordar

Fazes-me vibrar com teu

Olhar que sempre me

Faz delirar.....

Olhar maroto que tanto

Me encanta e seduz

Quero perder-me em ti

Como um sonho sem fim.....

***


[1] PIGNATARI, Décio. O que é Comunicação Poética. São Paulo: Ateliê Editorial, 2005, p. 11.

[2] PIGNATARI, 2005, p. 12.


Para assistir ao episódio da XI Tertúlia Virtual, clique AQUI.



Comentários

  1. Linda coluna, meu bem!! Estou encantada em poder fazer parte de seu projeto, que valoriza a literatura feminina e nos lisonjeia com sua sensibilidade e amor pelas palavras. Muito grata! ♥️😘

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    Respostas
    1. Gratidão. É muito bom receber o carinho e o abraço fraterno, pois não é fácil manter-se sempre bem disposta para seguir na luta, suas palavras renovam minhas forças. Vamos adiante!😘😘😘



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