Para não dizer que não falei dos cravos | Cinco poemas de Wanderley Montanholi

 

Coluna 11

Cinco poemas de Wanderley Montanholi



Depois de toda a verdade que restava

De todos os enganos nas estradas sem retorno

De toda chuva que escorreu pelos vidros das janelas empoeiradas das tuas coxas

De todas as pontes elevadas impedindo a passagem

Depois de tudo

Depois do mundo

Depois do fundo

Depois do teu cheiro na varanda do meu peito

Do teu jeito na bola de cristal

Que brilha na mesa da sala

Das lições que ninguém ensinou

Depois de toda a música do piano

Que continuava a tocar

De todas as fotos queimadas no barro

Depois de tudo

Depois do mundo

Depois do fundo

Havia o ar

Armar


*


Uma mosca passou rente ao teto

Com os olhos vidrados numa mancha escura

Pequena e frágil

Como o bater das minhas asas

Era vigente entender

O que havia de tão intenso

Na mancha escura do teto

Na mancha escura do osso

Na mancha escura do coração

O que atraía as moscas pra dentro?

Era um complexo de café e avelã,

Um cheiro de carne exposta ao ar

Ou era a escuridão

Que tentava dominar o coração?


Alexas Fotos por Pixabay 



A depressão também ama

Solene e impertinente

Ama entre os medos do abandono

E os gritos da cabeça inquieta no meio da noite

Ama como quem nunca amou antes

Mas como se tivera amado todas as vezes

É um tronco misturado numa pilha bagunçada de roupas sujas

E um iminente choro de algo que não se reconhece

Existe um vazio preso dentro do coração

Da depressão de quem ama

Do depressor, do defensor

Existe um vazio preso dentro de tudo

Dos olhos cansados, das viseiras baixas

Existe, até mesmo, as veias sobressaltadas dos braços em repouso

A depressão também ama

Sem saber receber o que se dá

Sem saber dar o que se recebe

Sem entender o porquê das noites insones

Olhando sem acreditar a própria sorte

Não há sanidade, há amor

Não há só o vermelho do sangue

Há também o da boca, do corpo

Da rosa cravada ao peito no passado

E, no fundo, escondido

Permanece o medo de descobrir

Que, acima de tudo,

A depressão ama

Mais forte

E mais fundo

Do que a doçura

Das flores na primavera


*


No último sonho que tive

De alma turva

Eu era como pássaro

Que cantava à alma

Sofrida que passava

Embaixo dos galhos da minha árvore.

No último sonho que tive

Na terra suja do corpo

No riso fácil de bico de pássaro

Uma alma

Que ao me olhar com palavras

Que ao me olhar com suor

Me via inteira

Na canção quebrada

De Alecrim do Campo


*


As folhas de outono sempre caem no mesmo lugar

As mentes cansadas estão sempre lá, perdendo tempo

Dentro do perfeito fim

Até o mais pacífico trem

E, no meio disso tudo

Você é o sorriso bobo

Que encarrilha os pés

E enlaça as mãos

Com um pequeno e doce tremor

Preso no medo de outonar

Pela primeira vez



As folhas de outono sempre caem no mesmo lugar

E a mente conturbada sempre olha pra todos os lados de uma vez

E, no meio disso tudo,

Você é o sorriso tímido

Você é o sorriso limpo

De todas as sujeiras

Que te jogaram

Pela estrada inteira



Você é o sorriso bobo

O olhar firme e conjectura do

O cenho franzido

Escondendo o que

É tão gostoso de ver



As folhas de outono sempre caem no mesmo lugar

E no meio delas

Você é flor.



S. Hermann & F. Richter por Pixabay 




Wanderley Montanholi é um ator, diretor e escritor paranaense, nascido na cidade Poesia (Paranavaí) em 1989. Começou a atuar desde criança e teve contato com a escrita através do teatro, iniciando seus primeiros rascunhos na adolescência. Além da arte, possui formação em direito e administração. A partir de suas experiências de vida, Wanderley hoje se dedica à atuação e à escrita como forma de expressão de sua visão diferente da vida e na tentativa de transformar(-se) o mundo. Os poemas acima fazem parte do livro Poemas pra você aprender a respirar.

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