Cinco poemas de Lívia Bertges | Uma poética da maleabilidade do ser

 

Foto de Lívia Bertges


Cinco poemas de Lívia Bertges: 

uma poética da maleabilidade do ser



Casa-dobra

À Thaís Rocha

 

——

 

Amar a dinâmica

do dobrar e redobrar-se.

 

—— Refazer os caminhos da Terra:

 

corpos, cores, raízes, tudo medido no toque.

As pontas dos dedos,

no singular plural,

desenham rizomas ——

 

Move o corpo.

 

Move a casa. ——

 

Lembra,

mais uma vez,

as funções vitais,

o respirar de pulmões,

em sobressalto ao recriado,

 

abre o coração espantado:

 

amar os micro segmentos

visíveis e impossíveis.

 

——

 

Corpo-dobra. Corpo-tecido. Corpo-ritmo. Corpo-espaçamento.

 

——

 

Aguardar as novas

feituras do devir.

 

 

Casa-dobra,

elástica mola-Ser.


Foto de Lívia Bertges

 

Horas esparsas 

 À Matheus Guménin Barreto

 

Há dias em que as ouço

em horas esparsas

em dias de sorte

três ou quatro vezes.

Em outros tantos,

elas passam ao longe,

as identifico,

são as araras.

Elas aos pares.

 

Há dias desejantes

a ouvi-las.

Algo distrai a escuta,

prevejo,

elas passam, certamente passam.

 

Com afago gosto

da surpresa escandalosa,

elas passam.

Rastros esculpidos

no céu aos gritos

me espiam do invisível.

Espiam a casa. Elas passam.

 

A passagem delas,

como de qualquer outro ser,

anuncia a vertigem

ao flutuar.

Talvez seja este o aprendizado,

flutuar e seguir

alguma rota presente.

Concluo o pensamento.

E elas passam.

 


Corpo-Ser

 

Corpo que toca outro ser,

quente ar do contato,

cortamos os silêncios

e nos encostamos.

Todos os toques

pontuam qualquer geometria.

E no embalo do corpo-ser,

amanheci com os pés

embebidos na Terra.

 


Paremos

 

Paremos para chorar

as lágrimas rasgadas

nas esquinas.

Paremos.

 

Paremos para observar

as trincas nos muros

do mundo.

Paremos.

 

Paremos

 até escutarmos

a respiração ofegante.

Paremos.

 

Paremos

no torcer dos membros.

do corpo nosso

e dos outros, idênticos.

Paremos.

 

Paremos na encruzilhada

da vida

que indica:

 

Paremos no amor;

Paremos no amar.

e postergaremos...

 

Paremos

para assumir

o desfecho.

 


Vida


Rememorar os silêncios

escondidos em cada verso perdido.

Exercício de escuta e espera.


Foto de Lívia Bertges




Lívia Bertges (1987, Juiz de Fora – MG) apaixonou-se pela literatura quando integrou o grupo Contadores de Histórias do Colégio Metodista Granbery. É doutora em Estudos Literários (PPGEL/UFMT) e realizou estágio doutoral na Sorbonne Université (Paris, França), onde participou da organização de eventos com enfoque na produção Literária Brasileira Contemporânea. É mestra em Estudos Literários (UFMT) e também em Langues et Cultures Etrangères (Université Stendhal). Publicou artigos e poemas em revistas, antologias e sites. É parte do corpo editorial da Revista Digital Ruído Manifesto e integrante do Coletivo Maria Taquara - Mulherio das Letras (MT).


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