Resenha do livro juvenil TÃO LONGE... TÃO PERTO, de Silvana de Menezes


(Capa do livro TÃO LONGE... TÃO PERTO)

PORQUE NUNCA É TÃO LONGE E NEM SEMPRE É TÃO PERTO!


por Nic Cardeal 

Pelos olhos de um menino de 10 anos, no fantástico livro TÃO LONGE... TÃO PERTO (Belo Horizonte: Lê,  2007), SILVANA DE MENEZES conta a história de um encontro mágico, às vezes trágico, de duas vidas - uma que chega ao mundo e outra que se vai (esvai) do mundo - trazendo à tona o questionamento sobre nossa passagem pelo tempo, as nuances, alegrias, desgastes e complicações - e pontuando de maneira muito acertada o quanto, de fato, é inegável que a vida seja cíclica - começos e fins sempre se encontrando para um determinado fim (objetivo) que por nós ainda segue desconhecido. Com essa obra a autora, que também o ilustra, foi ganhadora do Prêmio Jabuti 2008 de melhor livro juvenil. 

Rafael é filho único de um casal e, aos 10 anos, por circunstâncias familiares, passa a ser praticamente obrigado a assistir bem de pertinho a evolução  da doença de Alzheimer a assolar a vida de sua querida avó de 80 anos. Para o garoto, a avó havia recebido a visita do cruel 'Doutor Alzheimer' e, a partir de então, passara a ser estranha, ausente e esquecida do mundo: "(...) Só havia uma coisa para a qual fui orientado: ela não gostava que rissem de seus lapsos de memória (...)" (2007, p. 10). 

O menino, ao observar os estragos causados pela enfermidade, começa a refletir sobre o tempo: "(...) Se o tempo é medido em horas, minutos e segundos, se pararem todos os relógios do mundo, o tempo também para? Se ele nunca para, já não era para ter morrido de cansaço? Se a gente cresce à medida que o tempo passa, os velhinhos não deviam ser gigantes? Então comecei a pensar que o tempo era um velho frio, que simplesmente nos roubava um ano de vida a cada aniversário. Pra compensar, a gente faz festa e sopra a vela (...)" (2007, p. 13).

Um dia o menino é surpreendido por uma notícia que mudaria radicalmente sua vida. A empregada Zezé, filha da primeira empregada de sua avó (e que recebera, após sua súbita morte, a herança de continuar com a tarefa da mãe), fora levada ao hospital... para ter neném! O namorado que a engravidara não quis saber de responsabilidades paternas, sumindo no mundo e deixando-a sozinha com seu (quer dizer, sua) bebê. Os pais de Rafael decidem que é melhor Zezé continuar cuidando da avó, mesmo com a bebê.

No início vovó sente muitos ciúmes da nova moradora da casa, achando que esta lhe roubará Zezé de vez. Mas, após passar uma tarde inteira absorta a embalar a criança na cadeira de balanço, parece que o vai-e-vem das horas mistura muito bem misturadinho tudo o que sente e que já não sabe distinguir direito, acabando por transformar em amor aquele sentimento 'tão ciumento'... O neto, de outro lado, conclui: "(...) Acho que vovó e o neném se encontraram andando por um mesmo caminho. O caminho que acabava dando no mesmo lugar, tanto pro velho que ia, quanto pra criança que vinha. Eu só não sabia era por quanto tempo o caminho ia ser o mesmo, pois parecia que, à medida que o bebê crescia, ele descobria esse nosso outro mundo, o das aparências. Aprendia a sorrir, a tocar com suas mãozinhas frágeis o rosto dos adultos, enquanto minha avó parecia que mergulhava mais naquele mundo de onde o bebê havia saído (...)"  (2007, p. 26).

As tardes do menino são vividas no apartamento da avó, com Zezé e a pequena Lili. A avó parece esquecê-lo e passa a ter olhos somente para a bebê. Rafa começa a achar que o calor da casa vai se desfazendo com o distanciamento da avó: "(...) Eu ficava revoltado, afinal, eu era sangue de seu sangue, e aquele bebê surgira do nada, de outra história que só pertencia a Zezé (...)" (2007, p. 39).

Com o passar do tempo vovó desconhece todos, só não esquece de Lili,  que já considera 'sua' bebê. E os dois mundos se aproximam cada vez mais em suas diferenças tão gritantes e em suas idênticas circunstâncias de viver aquele 'agora' tão juntinhas, bem juntinhas... uma indo do mundo, a outra recém-chegada ao mundo... Vovó e Lili usam fraldas, são alimentadas na boca, encontram-se em um único "(...) lugar onde o silêncio é a palavra e os sentimentos reduzem-se a duas ações: o riso ou o choro (...)" (2007, pp. 49, 50).

O túnel escuro por onde se passa ao nascer...  e ao morrer... a luz no fim do túnel... O menino então quer saber mais sobre nascer e sobre morrer. O neto que, aos 10 anos já se sente quase adulto, começa a achar que vovó está entrando por um túnel escuro sem saída, como lhe dissera sua mãe. A doença deixa-a trancada do lado de dentro de si mesma, sem possibilidade de volta, sem qualquer 'sinal de fumaça', sem cartas, telefonemas, palavras, como aviso de socorro para o mundo... No vasto e estranho silêncio daquele túnel... Enquanto isso, Lili vem cada vez mais para fora do túnel, extasiada com o mundo em movimento!

Até que mais uma vez, tão de repente, tudo muda: Zezé, cujo destino parece definitivamente traçado - cuidar de vovó até chegar a hora do túnel levá-la de vez -  tem uma gratificante reviravolta em sua vida! Conhece, encanta-se e se apaixona por Chico Barrigudo! E Zezé quer constituir família, dar um pai de verdade para Lili! O menino então já sabe que daqui pra frente tudo será diferente...

No entanto, ainda há dois grandes problemas a serem resolvidos: 1) Quem cuidará de vovó?  2) Como separar Lili de vovó? Por mais que se tente, não conseguem ninguém parecidinho, de alegria e paciência, com Zezé... Então, por falta de solução, está resolvido - depois do Natal vovó irá para um asilo...

No pouco tempo que resta antes da separação definitiva, em quatro meses de espera, Lili passa a ficar mais tempo com Rafa, e o menino precisa ficar com 'um olho na missa e outro no padre', já que Zezé dá suas fugidas apaixonadas pra encontrar Chico Barrigudo, enquanto o menino se divide entre a bebê no 'chiqueirinho' da sala e a vovó, no 'outro mundo' do quarto. Mas fica amargurado e, como 'vingança', leva Lili pra ver vovó às escondidas. Fecha as duas no quarto e, pelo buraco da fechadura, ouve suas conversas, quando vovó milagrosamente fala pelos cotovelos em variados 'devaneios' de realidade. O menino então descobre que há um segredo dentro da caixa vermelha com cadeado, guardada embaixo da cama de vovó. Ele ouve muito bem vovó contar pra Lili: "(...) Vê uma caixa vermelha com um cadeado? (Lili acenou positivamente com a cabeça.) Então... Lá dentro está tudo escrito. E tem mais... Você não pode nem imaginar o que tem lá dentro. É algo que vai transformar tudo que o homem sabe sobre a vida e a morte (...)" (2007, p. 83). O menino fica curioso, fascinado, louco pra descobrir o segredo da caixa vermelha! Você também quer saber? Onde estará a chave do cadeado? 

Conheça essa incrível história de pé à ponta, e descubra o segredo da caixa vermelha! Estou convicta de que você não irá se arrepender!  Então, está na hora de deixar de ficar 'tão longe': corra logo pra 'tão perto' quanto possível de uma livraria e procure logo por mais esse livro da Silvana! Garanto que você vai encontrar a chave, e saberá que o fim nem sempre é um FIM... Porque, vou te contar um segredo: a Silvana me disse que "(...) no fim tem sempre uma luz (...)" (2007, p. 99)!

Ah... só mais uma coisinha -  lembre sempre de pelo menos mais esse conselho: "(...) amor... a gente não tira cópia desse sentimento num cartório. Amor não se registra em papel, só em poesia (...)" (2007, p. 33)! Palavra de Silvana de Menezes!


(Foto: arquivo pessoal)

SILVANA DE MENEZES é natural de Belo Horizonte/MG, graduada em Belas Artes pela UFMG. Artista plástica,  escritora, cineasta e cenógrafa. Possui mais de 40 livros publicados.

Pela Editora Lê (Belo Horizonte/MG), publicou as coleções Arquitetos do Universo e Filosofar-te; e o livro Meninas, Bah! (2007), cujo texto foi adaptado para o curta-metragem Mulheres, Bah!, em Portugal.

Em 2008, com o livro Tão Longe...Tão Perto, ganhou o Prêmio Jabuti, categoria Melhor Livro Juvenil e, em 2009 foi finalista ao mesmo prêmio na categoria Melhor Paradidático.

Teve títulos selecionados por vários programas governamentais, além de traduções publicadas na Coréia do Sul e no México.

É autora dos seguintes livros infantojuvenis,  entre muitos outros: Cota, Maricota e Cotinha - as três velhinhas (Cortez: 2006); Pontinho por pontinho: Coco Chanel (Lê: 2009); De quem tem medo o lobo mau? (Elementar: 2009);  Signo de câncer  (Lê: 2009); Mundo cão (Abacatte: 2010);  O pintinho do Lelê (Abacatte: 2010); Cabelinho vermelho e o lobo bobo (Abacatte: 2011);  Vanda Vamp - espelho meu, como sou eu? (Elementar: 2012); A ovelha negra da Rita (Cortez: 2013); Finóquio (Abacatte: 2013); Raul e o baú do vovô  (Abacatte: 2013); O bebezinho da velhinha (Cortez: 2014), Joana e o pé-de-feijão (Abacatte: 2014); Lucrécia  (Cortez: 2014); Os três porquinhos e  o lobo barrigudo (Elementar: 2014); Os três porquinhos patetas (Elementar: 2014); Os três porquinhos patetas e o lobo mau-humorado (Elementar: 2017); Téo quer um abraço (Cortez: 2017); Asdrúbal  (Canguru: 2017); O vaga-lume (Abacatte: 2017); O confeiteiro de jardim (Imeph: 2017); e Comédias e tragédias da vida privada de uma criança (Compor: 2017).

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