Três poemas de Oluwa Seyi | A fagulha da vida


Fonte: pixabay.com


Três poemas de Oluwa Seyi

A fagulha da vida


Úmido cubículo

 

Meu chuveiro é espaço de criação

De criança e criatividade

Sob o chuveiro, muitos de meus filhos nascem

Foi lá que ensaiei o parto do meu melhor poema:

Foi no chuveiro que ele coroou

E balbuciou seus primeiros versos

 

O vidro, os azulejos e a água

Simulam uma porta para fora

E se adentro o úmido cubículo,

Nunca estou de fato nele

Se adentro o úmido cubículo

É quando de fato ganho o mundo.

 

Meu chuveiro é data e hora marcadas:

Nele, tenho encontros de mim comigo mesma.

 

 

Fonte: pixabay.com

 

Deusa-átomo

 

Ela me amou e o mundo se fez

Os lábios dela se contorcendo na forma do meu nome

foram o início da criação

De tudo:

Foi a fagulha da vida como conhecemos

 

Desde o dia em que ela me amou,

desse primeiro segundo em que ela me olhou

e também me enxergou

Eu me tornei sagrada

central

flamejante

 

Nossa casa,

todas as galáxias comprimidas

em 60 metros quadrados,

é um altar

Recebo flores, promessas e cafuné:

tudo que uma deusa pequena como eu precisa

 

Sendo tão amada,

vivendo tão segura,

desconfiei

e seus olhos refletiram, confirmando:

Tornei-me mais negra.

 

Minha pele reavivou a cor

que gera

e alimenta

Todas as cores

 

Melanina universal:

Matéria escura de tudo que já foi criado

Ou, um dia,

Ainda será.

 

 

Pequeno pedaço de amor

 

Meu pequeno pedaço de amor me encontrou por milagre

Não quis saber meu nome,

não decifrou meu mapa astral,

não se importou com minha linha genealógica

Nunca me perguntou nem as horas

 

Meu pequeno pedaço de amor é assimétrico

Enxerga com dificuldade em espaços muito iluminados,

faz promessas repetidas

anda em círculos por muito tempo,

e não sabe ser sério ou mesmo educado

 

Meu pequeno pedaço de amor me deu linguagem,

reformou minha coluna cervical

e sempre vela meu sono quando quase amanhece

Todos os meus traços de humanidade

foi a mão dele que desenhou

 

Meu pequeno pedaço de amor me salvou do abismo

Me ofereceu espelho, garfo e um par de sapatos

que me cabem com algum esforço

mas definitivamente me cabem:

meu pequeno pedaço de amor me coube também

 

E me faz caber no mundo todo.


Fonte: pixabay.com


 


Oluwa Seyi nasceu em 1993, na cidade de São Paulo. É aluna de mestrado na Universidade de São Paulo e formou-se em Letras – português pela mesma instituição, em 2016. Mulher negra, geminiana, filha de Oxum, leitora e pesquisadora daquilo que ama, escreve desde os 13 anos. Vive a prosa, mas sonha a poesia.








 

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