Timidez pra que te quero | Marilia Kubota

 

MOSAICO Coluna 15   Crônica
Timidez pra que te quero 

por Marília Kubota
Desde criança fui tímida. A primeira vez que escutei minha voz em público levei um susto. Pensei, que voz feia. Falava baixo para ninguém ouvir. Isso fez com que me ouvissem cada vez menos. Sofria de “falta de iniciativa”, como acusavam os boletins escolares. Tirava dez em tudo, menos no item “iniciativa”.
Em um mundo que não para de falar, o tímido é doente. Pensei assim por 20 anos de vida. Desisti da escola, aos 15 anos, porque não conseguia fazer uma apresentação oral de 5 minutos. Fiz terapia para tratar a “fobia social”. Não me curei. Voltei a estudar aos 18, fiz curso de Comunicação Social. E continuei tímida.
Me apoiei na escrita para suprir o déficit de comunicação. Primeiro veio a leitura, refúgio contra a horda de falantes. Como não sabia abrir a boca para falar, abria um livro para “conversar”. Assim aprendi a conviver com vozes distantes no tempo e no espaço, e com meus botões. A literatura só me deu prazer, pela necessidade de quietude.
Falar em público continuou sendo um pesadelo diário. Quando comecei a trabalhar como jornalista, colegas e amigos recomendaram entrar num curso de teatro. Por duas vezes cheguei a ter aulas e foi um retumbante fracasso.
Nas primeiras experiências para dar oficinas, entrava em pânico ao falar com os alunos. Só avancei durante o mestrado. Precisava apresentar comunicações de 10 minutos sobre o andamento da pesquisa em eventos acadêmicos. As palestras rápidas, com um pequeno público atento ajudaram a ganhar confiança. Para a defesa da dissertação, teria que fazer uma apresentação consistente. Me preparei, tomando aulas de impostação de voz com um amigo ator. Gravamos um vídeo falando em praça pública.
Depois disto, passei a me apresentar em saraus e bate-papos, além de mediar conversas com escritores. São eventos desafiadores. Participar de cada um deles é como se fosse a primeira vez. O maior desafio hoje em dia não é falar em público. Organizar a leitura ou a conversa, me põe ansiosa.
Me intriga saber como os espontâneos se comportam diante do público. Continuo tímida, e não deixarei de ser. Já não me considero fóbica, nem doente. Não evito sair ou deixar de ir a algum lugar por conta da timidez. Aprendi que a exposição pública é um trabalho que sobrecarrega. Depois de passar um tempo com outras pessoas, seja numa reunião, numa festa ou num evento, preciso me recolher. E assim faço, contrariando manuais para fazer amigos e conquistar o sucesso.
(Esta crônica integra o livro "Eu também sou brasileira", a ser publicado pela Lavra Editora)



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