Para não dizer que não falei dos cravos | Três poemas de José Danilo Rangel

 

Coluna 12


Três poemas de José Danilo Rangel


ISSO DE SER POETA

 

Há um tanto de masoquismo

nisso de ser poeta: chupamos

o lirismo direto das tetas

da dor

 

Deliciados.

 

Ou serei só eu?

Duvido muito.

 

E essa não é nem metade

da controvérsia em ser poeta,

 

Confesso e talvez não só

por mim.

 

Há pequenas e grandes vilanias;

quando não estamos cavucando

o coração, por exemplo,

estamos espiando o mundo

pelas fechaduras cotidianas

 

Sempre em busca

de um poema envergonhado.

 

Fofoqueiros e poetas têm isso

em comum: os olhos atentos

e sempre mais do que deviam.

 

Buscamos luzes, sim, luzes,

como mariposas e religiosos

 

E fogo

pra aquecer corpo e alma.

 

Mas somos também porcos

farejando de longe a alegria

da lavagem.

 

As pessoas precisam deixar

de buscar grandeza nos poetas,

deixar de querê-los como exemplo

e guias

 

E sabedores de qualquer coisa,

 

Não sei.

 

O séquito me olha

e querem precisar de mim,

depender das minhas palavras,

querem um pouco da minha força,

 

Que força? Também quero

me amparar.

 

Não querem ouvir que desisto,

que fraquejo, que estou perdido,

que estamos todos sós,

 

Que faltou luz no mundo

e também não tenho pilhas

pra laterna.

 

Não quer saber que sou gente,

de carne, osso e essa merda

toda aí.

 

Tenho meus ideais, claro que tenho,

mas também vísceras

e sei que sou frágil, às vezes,

e reles.

 

Tenho que fazer escolhas

e nem sempre ser nobre

é uma opção.

 

Tenho orgulho de mim

e arrependimentos.

 

Não quero compartilhar

convosco falsos heroísmos,

tô tentando e é isso.

 

A lama de verdade, a pedra

que me quebrou a cabeça,

o caco que rasgou meu pé,

o murro que afundou minha

cara

 

Quero a liberdade de contar.

 

Minhas esperanças

como que atendem a um grito

de socorro, uma tentativa

de se salvar de ver no fundo

do poço,

 

No fundo do poço,

a esperança é olhar pra cima

e saber que dá pra chegar lá.

 

E minhas coragens

e meus medos.

 

Só assim que se completa,

a sina, a sombra, o lume,

o labirinto, isso, essa coisa

toda

 

De ser poeta.

 

(De tentar, pelo menos)


S. Hermann & F. Richter por Pixabay. 

DONA TRISTEZA

 

Quando a tristeza chega

é bom já ter alguma

intimidade,

 

Saber que não é

o fim do mundo,

 

Que vai chegar e vai

passar, é só mais uma

visita.

 

Conhecê-la bem

desola um pouco,

mas traz esse

conforto:

 

A gente já sabe

como é, sabe do frio

e da falta de vontade,

 

Sabe do enfado

e dos quilômetros a mais

em que se alongam as

noites.

 

Eu sei que há tormentos

e dores e muitos tipos

de angústia ainda inéditos

pra mim,

 

Mas há também

um número considerável

de agonias, desassossegos

e sofrimentos que conheço

bem,

 

E, por isso, hoje,

tenho alguma calma,

 

Porque sei: a pele que

se rasga se remenda,

os ossos que se quebram,

se reparam

 

E pro que não tem jeito,

não tem jeito.


 Free-Photos por Pixabay 

 

FRIO NAS CARNES

 

A vida, 

me diz um jovem amigo,

tem sempre um colorido.

 

Já com o daltonismo

próprio da idade,

eu rio.

 

Mas é bom,

esse frio nas carnes.

 

Porque 

as preserva.


Huỳnh Mai Nguyễn por Pixabay.





José Danilo Rangel nasceu no Ceará, em 1984. Em 1993, muda com a família para Porto Velho, RO. Detestava poesia. Mas em 2006, apaixonado, faz um soneto. E o declama pra Vanessa, sua musa. De lá pra cá, participou de muitos saraus, oficinas e outros eventos, editou 26 números de uma revista digital, a Expressões!, organizou o sarau “Isso é Poesia?”, teve poemas publicados em diversas coletâneas, sites, blogs, jornais etc. Produz livros artesanais (no formato de zines), cordéis, distribui "livrinhos de poesia", no projeto "Poesia Grátis" e mantém perfis literários nas redes sociais, publicando poemas, fotos e vídeos. Em sua página do Facebook transmite a live “Poeta ao Vivo”, em que lê poesia, indica livros, entrevista convidados, etc. É autor do livro Poemas Que Escrevi Pra Revidar.




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