A poesia caleidoscópica e caudalosa de Cristina Siqueira

imagem: arquivo pessoal da autora

Cinco poemas de Cristina Siqueira


Tempo de faltas e excessos 
Rumo incerto 
Soçobrei 
Só sobrei 

**

Máximo e mínimo 

Houve um tempo 
de fragmentos  da arte 
devoção dos monges
fragmento de mísseis 
escombros 
a clamar seus donos 
vírus da asfixia 
um nada nas sombras 
Sobras de humanidade 

Houve um tempo  
de águas pacientes
a germinar sementes do Amor 
e de dramas tenebrosos 
trazendo o desejo  de provar o alívio da Paz

**

Sem perdão 

Rasgou o verbo 
O verso 
O papel ao meio
Rasgou o mar 
A bandeira 
Rasgou o vestido 
a camisa dele 
Rasgou a pele 
em ira desfeita 

Mas quando 
rasgou dinheiro
Sentiu o peso 
do desaforo 
viu o coração no bolso
Partido em miúdos 
e o sangue nos olhos 
dele 
desaguando inteiro 

Crucifixou-se

**

Na época em que 
as mulheres bordavam
Ponto a ponto suas vidas 
Suas cabeças criavam 
pássaros
Que fixos no bastidor
Contavam histórias 
que voavam
O vôo 
pela harmonia das cores
Fios que davam nós 
Loopings extraordinários 
criando laços 
meadas que compunham 
cores matizadas superpostas
ao capricho 
de delicadas mãos 

Bordava-se 
em ponto cheio
em ponto cruz
em ponto a jour

Bordava-se o silêncio 
O prazer da calma 

Ponto a ponto
se bordava a alma 

**

Sou uma e todas as mulheres 

Sou  a mão quentinha
do menino negro
magrinha de abandono
Sou a velhinha feliz
que encontrei no rio
com a saia levantada 
e um cajado na mão
Sou este espírito livre 
que passeia na alma da vida
sem fronteiras
sou todas as línguas dos homens
e meu talismã
é o amor possível no mundo
minha voz é dissonante
então não canto
entoo
intuo
e a ouço própria distinta de mim
sem pertencimento
uma massa plural de vozes
que me habita
Sou aquela que escapuliu para viver
livre da miséria
dos perdidos com as mãos nos bolsos
sou redenção 
das mulheres que querem amar sem culpa
das mães cansadas

das mães plural

dos gestos de afeto do corpo viúvo

Sou o menino que a tudo quer saber
a menina tímida
que enrosca o cabelo nos dedos

Sou a que ouve aos outros
e a própria consciência

Sou sexo cru em momentos de casto sacrifício
fraternidade
generosa compaixão,
Arte dos dias 

Sou estéreo
amplifico sentimentos
Sou a pedra linda
em beleza natural 
que rolou 
até se por sem arestas
virou cama de rio
amada pelo fluir ligeiro
das águas doces
que lhe embebem em versos
de fluida ternura

Sou o atabaque do terreiro
vibro ao toque rude e tosco das mãos negras
que me tornam em ritmo

Mas lamento 
Não primo pela coerência 

E vou ...





Cristina Siqueira é escritora, poeta, artista e educadora. Dinamizadora cultural. Articulista do jornal O Progresso de Tatuí. Autora do Projeto Livro de Rua realizado com a lei Rouanet de incentivo à cultura. Obras publicadas: livros de poemas: Papel, A Carne da noz, Prisma e o CD Se houvesse amor a vida seria carícia. Publicações em revistas e jornais. Performances em teatro. 




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