Mariana de Almeida - cinco poemas de vida e morte/amor e guerra

Monika Luniak

Asfixiados

Não era o medo da morte
E sim de como nos matamos
Não era o medo do escuro
E sim de como apagamos as luzes
Não era o medo da multidão
E sim da nossa imensa solidão
Não era o medo das ruas, das mãos
Era o medo de quem somos!
Nosso novo mundo arrebentado
Correntes, máscaras, vírus e verdades
À tona nas principais manchetes
Dos inúteis noticiários das cidades
Que tentaram, em vão, despertar
O ar da nossa última humanidade.

***
Mundo Novo

Senti medo por ver ruir tudo o que nunca nos pertenceu;
Senti pavor por ver o oceano nos separar dessa vez para sempre;
Senti dor por ver a escuridão em pleno dia;
Sim, também senti um alívio por tudo isso enfim...
O novo mundo não pode ser pior que as falhas do antigo.


Dica de dieta

Pois onde não houver
Fartura de gestos,
Recolha-se
Delicadamente,
Saibamos estar
Com os que têm fome de amar,
Deixemos os miseráveis a sós
Secos por não saberem doar.




Guerra

A guerra mata.
Te amei tanto
Porque éramos inocentes
E da nossa inocência tivemos tudo
Amávamos desde os anúncios de outdoors
Até as capas de discos de vinil
As músicas antigas que guardávamos
As paisagens das janelas
Nossas fotografias
O amor nos distraía terrivelmente
Não sabíamos dos fuzis
Não ouvíamos os tanques de guerra
Partindo a terra que nos uniu
Não ouvimos o barulho do perigo
Amávamos e só amávamos
Tivemos casa, bichos, plantas
Até fizemos filhos
Antes do fascismo instaurar-se em nossa mesa de jantar
A guerra invadiu tudo
Morremos.




Vida

A vida não vale nada
A vida não vale a bala
A vida não vale a tarde
A vida não vale a vala;
A vida não erra
Quem erra é o homem
A vida não grita
Quem grita é o homem
Que pede socorro
Em nome de tantos outros;
A vida não vale nada
A vida não escolhe nada
A vida não sente nada
A vida somente segue;
A vida é tão egoísta
Não olha pro lado
Não toma cuidado
Não ouve os disparos
Não salva quem pede
Não vinga quem fere;
A vida não espera
A vida é a porra de um carro enguiçado na avenida lotada
A vida é a espera de um telefonema que nunca virá
A vida é um sonho de paz e justiça estampada na revista;
A vida, tão maldita, é essa longa espera
A vida deixa os bons irem primeiro
A vida gosta mesmo é do inferno
Armas, bombas, mentiras e silêncio
A vida é uma foda mal dada
Que carregamos no ventre como feto
A dor para sempre de nunca nascer.

*Ilustrações: Telas de Monika Luniak




Mariana de Almeida, mulher, natural de São Bernardo do Campo em 1978, poeta desde as primeiras memórias, operária, professora, idealista e mãe.
Sem a poesia eu não teria resistido a tantos holocaustos dentro de mim. A arte salva!





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