Até onde as palavras nos levam - Chris Herrmann



Crônicas que as lembranças me embrulham de presente - 07

Até onde as palavras nos levam - elocubrações & improvisos
por Chris Herrmann

Em 1989 passei por uma das situações mais engraçadas, e ao mesmo tempo, mais constrangedoras da minha vida. Participei de um concurso de frases de humor promovido pela Rádio Antena 1, do Rio de Janeiro. Mandei pelo correio cerca de 110 frases no tema proposto ("eu sou do tempo que...") e venci. Ganhei um aparelho de videocassete que eu tanto sonhava. Naquele tempo era novidade e custava caríssimo. Meu companheiro, na época, filho de portugueses, não se importou da frase vencedora ser uma sátira justamente com portugueses!

Eu não imaginava (embora desejasse muito) ganhar o concurso, muito menos que aquela frase seria a escolhida. Então, dias depois, num almoço de aniversário na casa da tia dele, toda a família portuguesa estava reunida. Eles me deram os parabéns pelo prêmio e meu companheiro insistiu para eu contar sobre a frase vencedora. Eu engasguei com a comida e ele teve um acesso de riso. Eu queria morrer!  Fiquei vermelha e não conseguia falar. Só queria fugir dali e me esconder no primeiro bueiro. Depois daquele dia aprendi a lição e nunca mais fiz piadas que pudesse me arrepender, ou magoar pessoas que não merecessem. Não me consolava argumentar que "eu era muito nova" ou que foi somente "por brincadeira". O preconceito também está embutido nas piadas e brincadeiras aparentemente inofensivas. As palavras ficam.

A história termina ou não aqui. Uma coisa boa ficou nisso tudo: que gosto também de trabalhar com o improviso. No antigo Orkut, a amiga Sonia Ortega e meu irmão Paulo Magalhães, haviam criado uma comunidade chamada “Trovadores Noturnos”. Trava-se apenas de improviso com diferentes temas e propostas. Trovas, Sonetos, haicais, literatura de cordel, poemas contemporâneos a partir de temas sérios, engraçados e até non-sense. Enfim, era uma brincadeira e, ao mesmo tempo, um exercício desafiador e com resultados surpreendentes.

Ontem, me lembrei disso quando vi no Facebook, na página de um amigo virtual uma proposta de improviso. Participei lá e criei algo semelhante na minha linha do tempo.

arte digital: chris herrmann

Amigos virtuais me trouxeram uma palavra e eu a transformei em uma frase, um pensamento, um pequeno texto ou um poema. A brincadeira ficou interessante, por vezes séria, engraçada ou poética. Sem dúvidas, uma experiência que nos enriquece. Trago a vocês uma seleção de palavras trazidas por amigos e o resultado de minhas elocubrações com elas:


[1]  Eliana Angélica D‘Alessandro me trouxe a palavra Morte

CH: Como seria a humanidade, se não houvesse morte: felicidade ou calamidade?

[2]  Paulo Moretti - Solidariedade 

CH: Sem solidariedade somos apenas mais um bicho do mato de concreto.

[3]  Claudia Manzolillo - Máscara

CH: Hoje vemos muitas máscaras por cima de outras.

[4]  Marta Godoi - Passos

CH: passos largos ou curtos / o que eu não passo / é sem você

[5]  Mayda Zanirato - Distância

CH: Distância, conforme estamos aprendendo nesse momento, pode aproximar as pessoas. 

[6]  Sonia MI - Redenção

CH: Se também fosse possível combater o vírus da ignorância e da maldade no ser humano, seria a nossa redenção. 

[7]  Tereza Andrade - Serrapilheira

CH: Que a face da Terra não se transforme numa imensa serrapilheira, pela falta de humanidade. 

[8]  Helena Britto Pereira - Gata

CH: Seria redundância dizer que a minha gata é uma gata, mas como ela anda muito comilona, diria que está redondante. 

[9]  Antônio Lazzuli - Caretice

CH: Me lembrei agora daquele vídeo que rolou nas redes ‘somos robôs do bolsonaro‘... nunca vi tanta caretice, cafonice, bizarrice e burrice juntas. 

[10]  Liliane Paixão - Saudade

CH: Saudade é aquele dente que dói onde nem mais dente tem.

[11]  Kátia Borges - Universo

CH: Quando vejo um filme de ficção científica, fico imaginando a pretensão dos homens em explorar o universo, quando ainda nem descobriram tudo sobre o mundo de si mesmos e, principalmente, das mulheres.

[12]  Mara Magaña - Arvorecer

CH: Quando o medo for embora, que possamos arvorecer juntos, respeitar mais a terra que nos alimenta, respeitar as diferentes árvores e jardins, e frutificar.

[13]  Ricardo Mainieri - Estrangeiro

CH: Ser um brasileiro solidário e de consciência social e política na era bolsonero, deve fazer muitas vezes você se sentir um estrangeiro na terra onde nasceu.

[14]  Lin Quintino - Poeta

CH: Poeta serve para quê? (perguntou alguém que nunca leu um livro) E eu respondi: “também não sei, mas lendo e escrevendo poemas descobri um milhão de novas perguntas“.

[15]  Helena da Rosa - Sombra

CH: Ele caminhava tão preocupado com a sombra que perdeu o espetáculo do sol se pondo. 

[16]  Ana Marques de Oliveira - Carinho

CH: Todos gostamos de receber carinho, mas poucos sabem da maravilha que é dar sem esperar nada em troca, e fazer alguém claramente feliz. 

[17]  Cláudia Gonçalves - Fechado

CH: O globo está fechado para balanço, enquanto o pessoal da Terra Plana atazana. 

[18]  Maria José Zamora - Respeito

CH: Às vezes, quando me deparo com um comentário fanático e ignorante de um seguidor do Bozo, tenho vontade de dizer: “Com todo respeito, vai comer angu e tomar na rima!“

[19]  Mô Ribeiro - Lume

CH: seus olhos são puro lume / nos meus tem vaga / vamos vagalumear juntos?

[20]  Jane Meire Gonçalves - Conectada

CH: Como já disse uma vez, eu vivo conectada e tenho uma antena paranoica. De vez em quando dou uma mexidinha nela para melhorar a minha imagem. 

[21]  Divanize Carbonieri - Miosótis

CH: Quando estudei no Conservatório (anos 70), aprendi a tocar uma peça infantil com o nome de Miosótis. Eu era tão apaixonada pela melodia e por esse nome de flor, que escolhi para tocar na minha primeira audição de piano. Trago a foto-flagrante abaixo:


[22]  Osvaldo Higa - Cantar

CH: Dizem que cantar ajuda a espantar os males, mas dependendo de quem canta, pode espantar os vizinhos também. 

[23]  Carol Carolina - Liberdade

CH: Quando se fala em liberdade, o primeiro pensamento que se tem é de um pássaro, seu voo, suas asas. Ninguém pensa no trabalho de fazer o ninho, da procura da comida para os filhotes desesperados, da fome, da sede, da escassez de alimentos em florestas inteiras desmatadas e queimadas pelo homem. Liberdade para mim, começa no amor, na solidariedade e no respeito aos que precisam de nós. 

[24]  Vania Gondim - Libertação 

CH: O dia que o inominável pagar pelos crimes que cometeu e for para a cadeia, será um sentimento de justiça e libertação para a maioria do povo brasileiro.

[25]  Nilza Freire - Chuva

CH: Gosto de apreciar a chuva pelo vidro da janela, e dependendo do meu humor, isso pode me alegrar ou me trazer solidão.

[26]  Carlos Assis - Astrolábio

CH: Nem o mais eficiente astrolábio seria capaz de medir o horizonte hipnotizante do teu olhar.

[27]  Poliana Barroso - Lusco-fusco 

CH: Palavras também podem sugerir cores, dependendo de quem as diz.O inominável, por exemplo, fala lusco-fusco.

[28]  Taciane Silva - Tempestade

CH: Descobri que era amor quando ele me fez ver lua e estrelas sem me impedir de amanhecer. Os outros só me trouxeram a tempestade.

[29]  Fernando Freitas - Ninho

CH: Há mais de um ano, Brasília vem sofrendo uma praga: ninho de ratos. 

[30]  Sílvia Palaia - Janela

CH: Era uma casinha pobre. Só tinha uma porta e uma janela, mas o amor ali florescia até pelas frestas. 

[31]  Christina Guimarães - Perseverança

CH: Perseverança é a esperança que não cruza os braços.

[32]  Lenizi Faria - Oceano

CH: Já chorei rios e um oceano inteiro, mas foi nessa tua lágrima única que me afoguei. 

[33]  Ronaldo Werneck - Peremptório 

CH: Eu acredito na ciência, e que em breve se tenha a cura e a vacina preventiva contra o coronavírus. Já o covard17 é peremptório, por isso não se deve isolar as pessoas, mas o próprio, no xilindró. 

[34]  Rodolfo Tokimatsu - Perspectiva 

CH: Ser de extrema-direita não é somente uma questão de perspectiva, mas de eliminar quaisquer perspectivas que os menos privilegiados poderiam ter.

[35]  Denise França - Esperança

CH: A esperança não é verde, é vesga. Já a perseverança tem olhos de lince.

[36]  Vera Lucia - Lealdade

CH: Lealdade é como uma peça rara de museu. Pouquíssimas pessoas a tem e menos ainda a valorizam. 

[37]  Linaldo Guedes - Oxente

CH: Oxente, meu amigo, meu pai paraibano também falava assim com a gente. 

[38]  Renata Vieira - Êxtase

CH: Experimentei momentos de êxtase durante a minha vida, mas nada comparado ao que tive quando meus filhos nasceram e os vi pela primeira vez. 

[39]  Maria Marta Nardi - Tenso

CH: “Tenso, eu? Claro que não“, disse ele no primeiro encontro no restaurante, depois de derramar quase meio saleiro na salada.

[40]  Ricardo Campos - Pétala

CH: A pupa já apontava uma pétala enquanto sonhava. O homem mau e sem fantasia, deu-lhe um peteleco, ignorando que acabara de matar a poesia.

[41]  Lica Cecato - Astro-rei

CH: O astro-rei mandou dizer que está triste e deixou três pedidos. Primeiro, que todos obedeçam a quarentena. Segundo, que menos flores na Terra se transformem em coroas. Terceiro, que muito em breve o inominável o veja nascer quadrado. 

[42]  Cristina de Azevedo - Brilho

CH: Ela amanheceu com um brilho diferente no olhar que havia roubado da lua.

[43]  Ilda Manini - Beleza

CH: As propagandas vendem a beleza instantânea. Os cirurgiões plásticos dos ricos, a beleza idealizada. Pois o ser mais lindo que conheci na vida era uma mulher com poucas vaidades, com olhos amorosos, sorriso terno, mãos carinhosas, sempre pronta a ajudar. Havia tanto amor dentro dela que quase era possível vê-lo sair pelos poros da pele do rosto ruborizado. Quando se sentava à mesa, sem nunca ter aprendido etiqueta, esbanjava elegância. Esse tipo de beleza em uma mulher não se compra, não se vende, e é para sempre.

[44]  Jéssica Sabrina - Resiliência 

CH: Resiliência é uma palavra que me incomoda, tanto quanto perdão e gratidão. Não pelo significado, mas pela desonestidade com que a maioria das pessoas as usam com frequência, sem jamais tê-las colocado em prática.

[45]  Solha Assad - Acolhimento 

CH: Acolhimento é um cobertor quentinho no inverno, uma rede no verão e um abraço apertado e sincero em todas as estações.

[46]  Roberta Gasparotto - Conexão 

CH: Uma conexão que jamais cai é aquela sustentada pela rede do amor.

[47]  Leila Brasil Naves - Empatia

CH: A palavra empatia me lembra empada. Uma é gostosa de sentir e a outra de comer. 

[48]  Hind Salem Herrmann - Compaixão 

CH: Compaixão pode ser um sentimento nobre, mas para mim, só se for acompanhado de amor e solidariedade. Compaixão sem ação é como sentir pena e se manter distante. 

[49]  Cleber Pacheco - Arte

CH: O que seria esta quarentena mundial sem a arte? Sem pinturas, sem livros, sem filmes, sem música, sem graça. Claro que agora a ciência e a medicina são ainda mais vitais, em disparada. Todos os profissionais de medicina merecem ser aplaudidos nesse momento. São heróis, sem dúvida alguma. Quando há incêndios, aplaude-se os bombeiros. É frequente se dar mais valor aos profissionais desta ou daquela área, em momentos de maior necessidade. Mas a verdade é que todos têm sua importância, assim como os artistas, os professores, os jornalistas, e todos mais que o excrementíssimo despresidente do Brasil tem desprezado. 

[50]  Gisella Rocha de Rezende - Violência 

CH: Abomino todo o tipo de violência, e mais ainda a praticada contra as minorias, contra os mais indefesos, mais pobres, mais vulneráveis. 

[51]  Cibele Alves - Reflexão

CH: Ele: “Olha para o seu umbigo e faça uma reflexão“

Ela: “Eu ainda posso olhar para o meu. Você precisará de muitas re-flexões para enxergar o seu.“

[52]  Edra Moraes - Isola

CH: Para vencer o vírus, a gente isola as pessoas. Para vencer o verme, a gente isola o inominável.

[53]  Luh Casaes - Luz

CH: eram flores de luz / em cada flor o reflexo do seu carinho / em cada pétala a doçura da sua pele / em cada folha os seus versos / em cada espinho nossas lágrimas / as que nós dois enxugamos

[54]  Andreia Coelho - Flores

CH: por que flores? / por que me deixaste só / com teu perfume / que jaz em mim?

[55]  Rogério Miranzello - Escrever

CH: Literatura, para mim, é uma delícia. Ler é massa e escrever é a cereja do bolo. 

[56]  Ana Maria Santeiro - Cura

CH: Deixe-se contagiar pelos livros. Neles você encontrará a cura e as melhores vacinas para virar a página da ignorância.

[57]  Margot Lima - Gente

CH: gente como a gente / respeita a quarentena / gente que não é gente / mata a gente / sem pena

[58]  Viviane Santos Cendon - Fragilidade

CH: Pessoas más usam a fragilidade das outras para “se dar bem”. Essas são as mais fracas, mal resolvidas e covardes. Só as fortes usam sua própria fragilidade para se conhecer, para ajudar outras, para crescer e melhorar como pessoas.

[59]  Veronica Gomes - Amor

CH: Xeque-mate!
Ele a chama de rainha, dizia que era amor, mas a espancava. Ninguém acreditava nela. Ele nunca mirava as porradas no rosto da sua “amada”. Depois de morrer muitas vezes, ela optou por viver e amar a si mesma. Virou o tabuleiro e aquele cavalo foi parar no xadrez.

[60]  Ana Laudelina F. Gomes - Coragem

CH: Tenha a coragem de fazer alguma coisa certa nessa sua vida inútil, Sr. despresidente. Renuncie!

[61]  Carmina Tonelli - Dual

CH: Eu sou dual. De um lado boba, do outro também. 

[62]  Monica Lemos - Limiar

CH: No limiar da dor, eu me dou um abraço. 

[63]  Bento Junior - Recrudescência

CH: Se não pararem o despresidente já, poderemos ter uma recrudescência descontrolada da pandemia do Covid19 no Brasil. É inaceitável que a autoridade máxima de um país incite o povo a ignorar a quarentena orientada pela OMS.

[64]  Nanete Neves - Denso

CH: era um amor denso como nuvens anunciando tempestade em alto mar.

Comentários

  1. Minha palavra no número 63. Meu ano de nascimento! Gosto de coisas que acontecem naturalmente, sem muito esforço. Coincidências me parecem um indicativo... Isso dá uma impressão tão confortável de que a coisa está no caminho certo!

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    1. Obrigada por ter participado e pelo seu belo depoimento, Bento. Uma honra! Abraços.

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  2. A comunicação é o que mais nos caracteriza como ser inteligente. Nada é mais belo no homem do que a capacidade de expressar através da comunicação verbal o escrita a sentimentalidade humana. Vocês que escrevem são uma obra a parte da criação. Deus os privilegiou com esse dom. Cris tens minha admiração.

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