Improvisos & Arquivos 06 | O que eu observei nessa pandemia - publicação coletiva

|  Improvisos & Arquivos - 06  |


O que eu observei nessa pandemia
por Chris Herrmann

Esta é a sexta edição do nosso projeto de improvisos que se transformou em coluna. Improvisos & Arquivos terá sempre alguma variação de abordagem, mas manterá a ideia de improvisação, seja minha por sugestão de amigos ou vice e versa. A publicação de hoje contém poemas de 25 autores (mulheres e homens) dos amigos que abraçaram o tema acima proposto. 

Agora, vamos aos resultados, lembrando que alguns dos poemas trazidos não são inéditos. Como o nome da coluna já diz sobre a fonte - improvisos & arquivos:



Foto: Denise Dietrich



O que eu observei nessa pandemia

foi tanta coisa
que eu nem sei por onde começar
mas observei que o fim é trágico
de quem ignora o óbvio
de quem brinca com a vida alheia
de quem não respeita a vida
de quem não tem amor
de quem nada
semeia

Chris Herrmann


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O que eu observei nessa pandemia

À sombra da palavra tempo
os dias morrem
na estranheza das cenas
no aluir das efemeridades

os espectros forjados
de imediata realidade
olham de dentro das casas
de dentro dos carros
de dentro dos vãos
de dentro dos olhos

o humano
enrodilhado de tramas
fraturado de si
em sua irremediável
prisão

: hipnose: líquida
esférica: cristal


Wanda Monteiro


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O que observei nessa Pandemia

espera, esperança
sentimento, alimento
vírus tiros
o que será de nós
nestes tempos
sombrios cinzas
nada podemos fazer
cheiram flores murchas
naftalina desinfetante
cândida lysoforme
álcool gel álcool líquido
amores morrem
parceiros padecem
famílias sofrem
não podem dar
o último adeus
aos seus entes
queridos

Cris Arantes


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O que eu observei nessa pandemia

CONTEM OS MORTOS

- Contem os mortos
dêem-lhes nomes
não esqueçam ninguém
digam que ele atravessou o país
para salvar alguém
que foi para o epicentro da pandemia
para salvar outras vidas também

- Contem os mortos
não esqueçam ninguém
contem que ela tocava piano
que era atriz
que quando soube da morte
do seu amor
morreu também
Viveram juntos mais de 30 anos

- Contem os mortos
perscrutem  os motivos
quais remédios tomaram
se houve culpado

- Contem os mortos
digam que era o melhor amigo
o melhor irmão
o melhor poeta da Legião

- Contem os mortos
Digam que não "foi tempo perdido
que somos tão jovens
somos tão jovens "

- Contem os mortos, incansavelmente
e cantem as músicas preferidas deles
recitem seus poemas
vejam suas paisagens
amem os seus amigos

- Contem os mortos
bebam as suas bebidas
comam das suas comidas
cantem com eles

mas, sobretudo
- Contem os mortos
- Mais de 30.000?
- Mais de 70.000?

e caso, eu sobreviva
contem de mim também

e também
e também
e também

Ana Paula Olivier


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O que eu observei nessa pandemia

A doença não é  seletiva
A cruz é coletiva
As covas  e as flores
A solidão dos doentes
A omissão do presidente
E observei também que mesmo que termine a pandemia
O ser humano continuará o mesmo
Egoísta de sempre

E os delicados cada vez mais doentes

Angela Zanirato


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O que eu observei nessa pandemia

Invasão
Chegou pra ela a pandemia
Lhe trouxe liberdade
De pensar, sonhar e revelar.
Quis de todos galhofar.
Quando começou a contar
Tudo que outrora fizera, só,
Subiu no pedestal da permissão
Que só os homens tinham,
Com alforria, até então.
Despertou para o sim,
Tudo posso desvendar, pois
Meu fim está pra chegar.
Mal começara a narrar
Alguém chegou sem a âncora,
Com a declaração na mão
Decepou-lhe os pensamentos.
Ela esqueceu o que ia contar.

Glafira Menezes Corti


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O que observei nessa pandemia

segue feito gotas
nos olhares
dos mares
que não toquei

nas caídas
penas das aves
onde em casa
desembarquei

penas astronaves
leves, graves
como travesseiros
de mendigos

perdidos(,)
nus abrigos
dum muro

qualquer

Jennifer Trajano



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O que eu observei nessa pandemia

De repente o tempo estagnou e as casas viraram ostras
Não era mais possível ver o mundo nem sentir o vento no rosto
Sem qualquer aviso as ruas emudeceram e foi-se o riso
Ninguém mais pode ser livre nem fazer o que era preciso

Um vírus foi estopim de uma mudança interior sem fim
Famílias e amigos apartaram-se de modo muito ruim
Todos opinavam e ninguém se entendia como uma Torre de Babel
Então precisaram olhar mais para si sem disfarces nem véus

Alguns se fecharam em seu egoísmo sem pensar no semelhante
Já outros buscaram formas de transformar lágrimas em diamantes
Não importa a origem nem a culpa do mal que nos atinge tanto
Mas sim a união que é possível mesmo cada qual em seu canto

Muitos reinventaram-se de maneiras incríveis e corajosas
Buscando transmutar a devastação em um belo canteiro de rosas
E a Terra um dia irá se regenerar quando tudo voltar ao seu lugar

As perdas são motivo de pesar, mas nossos pés voltarão a sentir o mar.

Nilza Freire


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Águas, pedras e margens

Amanhecendo. Abro os olhos e rios desabam
levando-me de um gesto

a outro gesto aconteço de nadar pelas águas
que afogam o meu corpo

dentro do habitar-me. Nado sem sentir-me
molhado; seco dentro

do rio, seco o que toco como se não
me tocasse o olhar

com o qual me submerjo no que vejo.
Abandonado. As margens

de ambos os lados das águas, meu corpo
pesando desliza

com nossas intenções de voo;
parecem variações

vertiginosas de constantes elevações
impenetráveis. Há certa música

de água entre pedras, e de pedras sobre
águas paradas

que evaporam-se lentamente. Nada
nunca me permite não fluir

irremediavelmente para novas águas
que se repetem

em líquidas vozes serenas me cantando
o que dizer posso

enquanto passo, de sentimento a sentimento
tecendo com gotas

entre margens de um rio multiplo, a imagem
da minha passagem.

Enquanto você não ouvir o rio que me atravessa
você não poderá ver o rio

que atravessa esta linha. Pois é o mesmo rio
os rios que desabam

dos meus gestos e os rios que tecem com gotas
de suor estas palavras

que boiam entre fronteiras imprecisas, até que
uma distância, intencional

-mente as arrastem sem retorno como as águas
das enxurradas de um verão

catastrófico, que de tão grande

não pode ser visto.

Thiago Alexandre Tonussi


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O que eu observei nessa pandemia

Quando o peito range
Como desvario de penas e asas
Quer somente alçar letras e olhos
Em meio ao papel quente

Resultado quieto
Do aprisionamento
Do dorso e do Norte
Vala comum no meio da sala
Enterro e silêncio
No quintal do apartamento

Assim as mortes escoam
Ecoam
Pela TV
Pelas mãos
E, no colo da noite,
Sorriem para os que
Sobreviveram
Pegam em seus dedos
Contam histórias
Para salvar ao menos
Os rostos

E os números.

Márcio Leitão


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O que eu observei nessa pandemia

Corações apertados, vidas ceifadas...
injustiça social acirrada,
despedidas sem fim...

Lucinda Antunes de Lucena


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O que eu observei nessa pandemia

Fantasia mata!
O paradoxo da vida e da morte
Está em alta!
Alguns enxergam o invisível
Outros não veem visível inimigo
Tanta luta, tanta disputa por pura negação
Uns colocam máscara de pano
Outros, da ignorância.
Vejo realidade, vejo mentira e fantasia
Vejo o efeito de um simples vírus

É tudo que vejo, mata.

Carmem Teresa Elias



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O que eu observei nessa pandemia

Das janelas das casas,
Saudades empoeiradas .
Dos corredores das ruas
Partidas e chegadas.
Medo, descaso
Nos becos.
Nas faces, máscaras
A esconderem silêncios.
Um cão observa de longe
O menino de rua
Que sem àlcool nem máscara
Dança na chuva
Ao som do descaso.
Nas Tvs mortos sem nome
No Planalto, risos infames.
A cada esquina
A dor
Dos que sabem

os nomes dos mortos.

Palmira Heine


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O que eu observei nessa pandemia

O que choca não é a morte em si
retratos amarelados, carcomidos pelo tempo
nos mostram quase tudo sobre finitude

O que entristece de verdade ė a falta do alento, do abraço
na solidão da luta inconsciente

O que mais sufoca além da falta de ar
ė abraçar a eternidade segurando a mão

do desconhecido.

Helena da Rosa


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O que eu observei nessa pandemia

O mundo
caótico
na sala de estar

Pálpebras
encharcadas de mortes

ardendo de pavor
...Tanque e fogão
frestas onde respiro
manhãs parindo sons de vida.

Vera Molina



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Óculos de alcance

quando o mundo
travestido de certezas
cessou
probi hominis
criaram regras
réguas a medir vidas
as que importavam
as que não
as que levariam moedas
aos barqueiros
as que não
ao longe
aprisionados
em torres de marfim
violinos plangiam
aves marias
uniam os de bom dote
e o universo
confessou-se
em comunhão
como se não houvesse
o depois

rufiões dedo em riste
acreditavam no ouro
alforges cheios
para os pagos necessários
à imunidade consentida
assim se passaram os dias
no tempo da ilusão

terras mares gentes
lá e cá
nas ruas nos becos
nos morros
a morte não pede passagem
mete o pé
sem paciência
que há muito trabalho
e podres poderes
insistem
em não tirar a máscara
a que aterroriza
esconde o riso cínico
o deboche caindo
pelo queixo
a baba azeda
inundando tudo
a mentira em drágeas
a mentira em vídeos
a mentira vítrea
mais endêmica
que o perigo

mas nas casas quintais
avenidas ensolaradas
quartos sacadas
barracos abarrotados
gentes insistem
que a vida

ainda vale a pena

Mara Magaña


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O que eu observei nessa pandemia


Até fechando os olhos, não fugimos dessa sensação de vazio. De crânios inchados de fake news. Das mãos endinheiradas com sangue. Do toque de recolher da consciência moral. Daquele nariz de palhaço, que deram aos índios e nos é repassado constantemente. Então também tapamos narizes, para poder andar por aí sem sermos contaminados pelo vírus do vazio das bocas, que se aproveitam da cegueira coletiva para, covardemente, matar mais alguns. A grande loucura é que mesmo se resolvermos desviar de tudo e taparmos os ouvidos, ainda sentimos o frio. Nesse instante abrimos os olhos e observamos o céu. Aquela nuvem escura, continua lá.

Joaquim Antonio


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O que eu observei na pandemia

2020

há um mundo em ruínas
além do vidro que me cerca
o canto longínquo das sirenes
me desperta antes do sol
na cozinha os odores
de refeições alheias
trazem o inevitável
correr dos instantes
o fluxo inexorável das horas

na parede um poema
atiça os humores do dia

sopro as cinzas
perdidas na distância
para ver acenderem
as faíscas de outro tempo
desmoronado sobre sementes
muito antes que meu corpo
encurvado se detivesse
diante da visão do hoje
embaçado na janela


Sergia A.



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O que eu observei na pandemia

Serenou.
A febre da espera baixou.
Porém resiste ainda
a profunda saudade de uma calma.
Manifesto mudo.
Carta aberta a mim mesma.
Som calado, estático. miúdo.
E a alma a lavar  tristes histórias.


Eliana Mora


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O que eu observei nessa pandemia

Que somos frágeis aos excessos de poder e que o capitalismo é o vírus maior.
Que um abraço tátil dado pelos queridos, tem uma importância nunca antes mensurada.

Um tempo de contrastes que nos convida a desenhar a casinha de  nossos tempos de criança em nossa rotina.

Viviane Justo


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O que eu observei nessa pandemia

Corríamos com passos lépidos
E comungávamos com revoluções
Como quem apressa a marcha do tempo
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Éramos os loucos típicos
E acendíamos as rebeliões
Como quem aquece o motor da vida
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Abríamos os dias ávidos
E exaltávamos a sofreguidão
Como quem sustenta as asas do vento
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Abríamos os livros místicos
E escrevíamos as recordações
Como quem anseia por um louco acaso
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Ríamos do inútil dos trágicos
E quebrávamos as escuridões
Como quem acende o farol do mundo
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Comíamos o sal dos bêbados
E bebíamos suas alucinações
Como quem caçoa do vão dos desertos
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Morávamos na casa dos vívidos
E cumpríamos suas obrigações
Como quem exerce o completo da alma
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Morríamos no rito das exéquias
E chorávamos nossas expiações
Como quem preencheu o tempo no mundo
Com nossos violões que cantavam versos de amor.

Hoje, observo,
Morremos sem ter vivido
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Hoje, observo,
Vivemos sem ter cantado
Com nossos violões que cantavam versos de amor

Hoje, constato,
Com nossos violões que cantavam versos de amor
Milhões de mãos estarrecidas de lágrimas
Sepultaram 100 mil desejos despedaçados.


Wander Porto




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O que eu observei nessa pandemia

Este é o tempo
do mais insano
outono

Uma seara de estrondos

Penso na morte
e no barulho
de asas
que transformam
o mundo
neste ruído
áspero

Penso na morte
e ela passa
de mão em mão
de boca em boca
por vezes fere
e sangra

Temíveis asas
batendo fixas
em êxtase

Esta noite que demora

Insônia, estalos,
labaredas
Eu - queimada
por dentro.


Maria Marta Nardi


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Visão pandêmica

Da janela: o brilho do sol
Da janela: o balanço das árvores
Da janela: o som do violão
Da janela: o aplauso dos vizinhos
Da janela: o silêncio dos mortos
Da janela: a interrogação

Longe da janela: uma vida no útero

anseia pelo parto prematuro

Noélia Ribeiro


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Menina dos olhos

Seus olhos oblíquos
Me respiram
Entre acordes
Você
Entre silêncios
Superamos
Aquela música
Jogada no lixo
Nos meus olhos ávidos
Vi no escuro
Sentimentos nascendo
Do árido
A me dizer

Que a morte está breve.

Fernanda Villas Boas

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O que eu observei nessa pandemia

da janela do quarto
observo a vida lá fora
ruas vazias
praias vazias
esperanças vazias
o separar dos corpos
encontra acalento
nas almas solitárias
-solidárias de companhia-
a vida cá dentro
nasce com o crepúsculo
é na escuridão da noite
que o silêncio se faz ouvido
silêncio de medo
silêncio de pavor
silêncio de morte
vidas contadas
em números
- e daí?-
o coração dilacera
teme
chora
e agora?
apenas espero
uma nova manhã


Luh Oliveira





Comentários

  1. Maravilhas, uma honra estar! Parabéns a todos!

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  2. Grata pela oportunidade de participar com tantos pescadores de letras empolgados e empolgantes. Beijos poéticos a tod@s.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Você não deixou ou nome. De qualquer modo, muito obrigada. 🤍

      Excluir
  3. Parabéns aos organizadores! Sempre um prazer participar desta revista linda!

    ResponderExcluir

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