Cinco poemas de Andréa Mascarenhas - poesia original e contundente


antílopes de chafariz

numa palavra: ab.surdo
em teus cabelos, restos de pesadelo

escrevo no tom da música acabada,
na lentidão da retina sobre papel gasto,
na abstinência dos esquecidos

todos os gestos cabem na palma de nossas mãos
não saberemos findar, ainda
que agora e inevitável nos esbofeteiem em segundos

absolvição ganha escuros descartáveis
isso
já se sabe
de toda hora e tarde

ampulhetas e ventos irritam árias
descompassadas,
histriônicas em seus egos.ecos.e.o/us

configurações de um olhar a mil: chafariz
incomoda praça em sua nudez fa.li[c]da
largo dos afogados, 13
rasos pensamentos agonizam
acolhem-se
arrotos fétidos e meia dúzia de ricos
in.di.gentes

neurônios as.som.bra.dos decoram paz
de passeata
estandartes
qual jornal poluído em franca mutação
de não resistir

do naipe do ser:
são estilhaços que se quebram por querer
são cacos que precisam de cisão
são pedacinhos de inconciliáveis
que vão juntos para o lixo
são quebras que não hipotecam dobras
são

coletivos:
breves invisíveis entre si
cobra.CORAL.no.rato:
zunidos surdos,
cabeça a dentro,
língua a fora,
seu doutor .

her.manos:
olho de inglês,
coração de ful.anos .

*****

leve brisa

ao léu dos tempos,
ventos batem à porta

no rosto,
tua alegria

voa o sabiá que me traz
teu canto

de lá
viajam teus mantras em
verdes.vias.de.mar

são teus ais que m’enovelam
e me despem
desse sal




[...] desejo:


esse

objeto de consumo
embalado em mistério

esse

da matéria
cara
proibida
que não se alça aos céus

esse

desejo.objeto
tatuado: pele
feito fogo
fátuo
real

esse

corpo
quase objeto
todo.gOStO
sem poder
sem preço
sem régua
sem rédias
e nunca
seu.meu

esse

mantra
rarefeito
esfumado sob os olhos
um quê de marrom
um átimo de dourado e
efeito lágrima
e sempre
verão

esse

querer
enlutado
semi.morto
antes que se alcance
antes
nunca
e tarde
e dentro
in.completo
in.consumível
in
corrente maquiavélica
todo.pele
sinônimo de
ser:
eu

esse

oposto de mim
quase
igual
máscara desenhada
eterna
e mutável
inerente
ao que rege o olho
ao que move o gesto
ao que induz o passo

esse

desejo.alma
e ser

*****

paz de flauta

sempre
ao longe
difusa
autoria

paz
vendida
nunca
cabe
bordada
na pele

não sei tocar
não falo teu inglês
tenho dedos
e me dou
outros toques

medo:
som que me
(nos)
persegue
à rua
na via dos miolos
não
que se queira

medo
na flor d’água que não se bebe

via.voa.vou,
passarinho, em teu canto:
porto sem seguro


de barrigudas e cerejeiras

passo
em instantes sou paisagem,
primavera seca
tocos, rastros
mormaço que se levanta do chão
céu carregado, em trânsito
de preces

verde vivo chega aos poucos em nossas cores
verde cinza borda um viés que desatina
o dia de amanhã

no recôncavo ipês rosa.roxo.amarelo
hipnotizam meu olhar
sou do que tenho e
no sertão
minha cerejeira atende
pelo nome de flor.da.barriguda

derramam-se da terra águas quentes,
em perfeita coerência geográfica
e nossos jardins vestem-se de infinitos matizes
verdes:
macambira,
palma,
umbuzeiro,
quipá,
ingá,
icó

em cada flor,
vitoriosa,

um perfume d’esperança

*Imagens ilustrativas: telas do pintor Salvador Dali



Andréa Mascarenhas
Carioca radicada na Bahia. Professora de Literatura (UNEB). Ministra Oficina de criação literária. Participa do ‘Dicionário de escritores contemporâneos da Bahia’ (2015), da versão eletrônica do Projeto ‘Mapa da Palavra.BA’ 2016 (FUNCEB), da Publicação eletrônica ‘Profundanças II’ e do Projeto ‘Doce poesia doce’ (2017). Organizou o livro ‘Escuta de conchas: literaturas baianas’ (Eduneb, 2016). Faz parte da Confraria Poética Feminina.

Blog literário: arquivosimpertinentes (Blogspot).
Facebook: https://www.facebook.com/flordemaracujaa 
Instagram: @marenhas




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