Um conto poético - por Aidil Araujo Lima


Desenho por W Patrick

Caminho do viver
Aidil Araujo


Tão jovem ainda e perdeu as pegadas do caminho. Desiludido destino, abusado de esperar andança, deixa o corpo entregue à sina, esquecido da conta dos dias, desvalido, num faz de conta de viver.
A velha mãe inventava força, preparava alimento que deitava no banquinho junto à cama. Um dia a encontra com pálpebras levantadas, pede que troque de lugar com ela, uma vez que já tinha provado os gostos da vida, casou, ficou viúva, teve filha e ela, tão nova, ali encalcada na cama, desacostumando o viver. 
Ela fecha os olhos, disfarce adormecido, não carecia de vontade trocar palavra com a mãe. Pedia ajuda em silêncio, de alguém desse mundo ou do outro, alento para encontrar o caminho de existir.
Passou o tempo, até que numa noite, ouviu de relance voz não conhecida lhe chamando pelo nome, num espanto abriu os olhos, uma mulher negra reluzente estava a sua frente, parecia ser anjo, levantou-se, vestiu casaco, saiu com cuidado de barulho.
Acompanhou a desconhecida pelo silêncio da rua, a que parecia anjo falou: chamam-me por Jurema, ouvi seu chamado, vim aliviar sua aflição, andaram até uma casa cercada de mata. 
Tranquila, entrou na cozinha, Jurema lhe serviu chá, o líquido desceu rompendo suas entranhas, juntando pedaços de si mesma devastados, enquanto o calor abre a caverna da vida e, ela vê outros caminhos.
Jurema a conduz a sala, ficam frente a frente, ela diz da energia que vem da mata, voz aconchegante, algumas pessoas carecem escalar montanhas para encontrar a força, se aventurar descampados a dentro, acender o vigor através do enfrentamento com alegria e, lutar contra essa rejeição pela cor se erguendo a lugares mais altos, você está com os caminhos de coragem apagados, estou aqui para lhe ajudar. 
Seguem para a área externa, há uma fogueira rodeada por mulheres com trajes de saias que descem pelo joelho. Elas riem. Jurema pega o tambor, o som sai carregado de valentia, ela solta o corpo, se deserta em outros tempos, dança em roda da fogueira, atravessa fronteiras, alma despida, ardentes visões de antepassados, soltando mágoas, dores, serenando, se libertando, quando deu por si o sol estava chegando.
Jurema a acompanha até perto de casa. Ela corre para o quarto, a mãe chega um pouco adiante, nem dá conta da noitada da filha, só quando vê seu rosto, com vida, olhar cheio de coragem, as lágrimas escorregam cheias de emoção: 
- Minha filha, você encontrou o caminho do viver...   


Aidil Araujo Lima mora na cidade de Cachoeira, Bahia. Premiada no Concurso literário JUBILEU DE OURO DO TEM, cidade de Mogi das Cruzes-SP, com texto publicado em Antologia. Outras Antologias, Homenagem ao poeta Gonçalves Dias. Recebeu a Menção Honrosa com o conto Resistência do Concurso Literário Cléber Onias Guimarães na cidade de São Paulo. Foi Destaque em Prosa e Verso em poetas Del Mundo. Textos na Revista Philos, publicada na América Latina. Selecionada pelo Mapa da Palavra da Bahia, organizado pela Secretária de Cultura do Estado. FLICA - mesa de conversa no espaço da FUNCEB, com outros escritores, projeto literário PROFUNDANÇAS II, voo audiovisual. Flica 2018.  




Comentários

Postar um comentário

PUBLICAÇÕES MAIS VISITADAS DA SEMANA

De vez em quando um conto - Os Casais - por Lia Sena

Mulher Feminista - 16 Poemas Improvisados - Autoras Diversas

200 palavras/2 minicontos - por Lota Moncada

Nordeste Maravilhoso - Viva as Mulheres Rendeiras!

DUAS CRÔNICAS E CINCO POEMAS DE VIOLANTE SARAMAGO MATOS | dos livros "DE MEMÓRIAS NOS FAZEMOS " e "CONVERSAS DE FIM DE RUA"

Cinco poemas de Catita | "Minha árvore é baobá rainha da savana"

A POESIA PULSANTE DE LIANA TIMM | PROJETO 8M

A vendedora de balas - Conto

Preta em Traje Branco | Cordel reconta: Antonieta de Barros de Joyce Dias

Poema da poeta italiana Francesca Gallello