Resenha do livro MIL MULHERES CABEM EM MIM, de ROBERTA GASPAROTTO


(ilustração da capa: Lana Queiroga)


QUANTAS MULHERES CABEM EM TI?

por Nic Cardeal

ROBERTA GASPAROTTO estreia no universo literário com MIL MULHERES CABEM EM MIM (Brasília/DF: Sguerra Design, 2019), um 'livro-aventura pela vida', uma viagem de múltiplas dimensões - mergulhos femininos no aqui-agora, no antes e no depois, a palavra costurando a vida no resgate das emoções diante da realidade. Roberta tem fé imensa, quase eterna, na vida que se materializa nos acontecimentos diários do mundo, bem por isso não por acaso foi muito bem escolhida a epígrafe que abre o livro: "Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo outra vez" (Caio Fernando Abreu).

É um livro de desejos - que todas as mulheres caibam em si - porque cada uma é muitas, é todas, todos, tudo. Roberta escreve como quem bate um papo descontraído com suas mulheres em si, com as mulheres em nós, por isso mesmo opta por não categorizar sua escrita, não rotula seus textos, pois sabe bem que são todos eles permeados da poética da existência, da crônica diária da resistência, da necessidade do lúdico, mesmo quando a dor se espalha e fere da pele até à alma - e até se atreve a dizê-lo como um 'livro erótico', quando escreve: "desnudo minha alma para você e, nesse processo, desvelo minha alma para mim mesma" (quarta capa). Sim, um rasgar das 'peles de fora e de dentro', deixando à mostra as veias da alma, as águas da alma, as profundidades da alma, descrevendo melancolias, angústias, receios, expectativas diante dos momentos e movimentos da vida.

O texto, todo ele, parece costurado com tênues, porém resistentes, fios que se entrelaçam, formando uma espécie de trama, verdadeiro manto de sentimentos mesclados com sementes de esperança, rios de amor, mares de emoções. Assim é a escrita de Roberta, que recolhe palavras no trabalho, na caminhada, nas gavetas entreabertas de sua casa, no olhar curioso dos filhos, sempre atenta ao movimento dos seus mundos, mulher capaz de colecionar sentidos, sensações, para depois bordá-los, um a um, em textos sem títulos - desnecessários, diga-se - porque são mil mulheres que cabem ali, ampliada a consciência de si para muito além de títulos limitadores das crônicas que se derramam, se entrelaçam umas às outras, nesse 'contar sobre a vida'. Porque, segundo a autora, "(...) talvez a vida seja difícil por demais e tenhamos que ter nossas defesas para não ficarmos em carne viva (...)" (p. 12).

'Mil mulheres' é um livro de dualidades, de contrastes, de frente/verso, de espelhos e reflexos, de teses, sínteses  e antíteses pendentes - porque a vida é feito roupas esticadas ao varal, pendentes ao sabor dos ventos, do sol, das tempestades. É um livro de paradoxos, semelhanças, singulares e plurais. Um livro sobre o viver no mundo, sobre um olhar específico e atento às múltiplas possibilidades e contradições da vida, inclusive sobre os medos que, sempre à espreita, parecem rondar a vida. Bem por isso, em dado momento, Roberta menciona Osho: "A vida começa onde o medo termina". E prossegue a autora, em suas reflexões: "(...) Será que um dia o medo termina? (...)" (p. 25). Que importa se nunca termine o medo durante toda a vida... Não faz mal, afinal, se ao final, ou bem no meio do caminho, nos dermos conta de que até o grande Osho, por um momento, possa ter cometido um pequeno equívoco - e a vida começa, continua, e termina, toda ela acompanhada de medos, de todos os tipos, intensidades e tamanhos? Então, é assim mesmo a vida - que  possamos seguir adiante, com o medo de carona na garupa da vida - pois viver também é com medo e coragem, e tristeza e alegria, tudo junto e misturado, feito um pedaço de tecituras multiplicadas no emaranhado sempre tão surpreendente da própria vida!

Vale muito a pena conhecer as mil (ou mais, muito mais) mulheres que cabem em Roberta. Cada uma delas é Roberta, é Maria, Sílvia, Joana, Carolina. Muitas Clarices moram em Roberta - as diversas Lispector presentes em sua literatura vasta de desnudar a alma. Há  também Clarissa (a Estés) fazendo pouso no coração de Roberta. Por isso Roberta coleciona mulheres em si, num quebra-cabeças precioso, um dicionário de percepções sobre viver no mundo - em seus relacionamentos sociais, profissionais, afetivos - porque viver implica troca, contato, caminhar em direção a, mergulhar de cabeça, tropeçar, cair, levantar, seguir adiante, desistir, resistir, enfrentar, sonhar, entre as concretudes e abstrações da existência! Porque, como já dizia  'a nossa Clarice', "criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade"! (in: A paixão segundo G.H., Rio de Janeiro: Rocco, 1998).

Que nos venham as mil mulheres de Roberta!





ROBERTA GASPAROTTO é gaúcha de Passo Fundo, mas reside em Brasília desde os seus quatro anos de idade.
Formou-se em Psicologia e trabalha com crianças e adolescentes vítimas de violência. É pós-graduada em Língua Portuguesa, com ênfase em produção textual, já intuindo, talvez, que seguiria no mundo da escrita.
Atualmente divide seu tempo entre trabalho, filhos e os escritos que publica nas redes sociais, como uma forma de partilhar seus anseios, angústias e questionamentos. Além de crônicas, poemas e contos sobre assuntos diversos, possui mais de duzentos e cinquenta poemas com nomes de mulheres e está sempre aberta para novas parcerias poéticas.



Comentários

  1. Obrigada pelo espaço! Sinto-me feliz e honrada em estar aqui, ao lado de tantas mulheres incríveis!!

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