A poesia tocante de Wanda Monteiro


"River"  por Justina Kopania


sob a liturgia do tempo
um chão itinerante
move-se na respiração da memória


Justina Kopania

I
em leito outrora fecundo
línguas ondas quebravam sonantes
ao toque da lira
no-ágora-do-outrora
só há espectros
mudo-surdos
habitantes de um deserto
seco e demente
de palavras


II
no gargalo da garganta
ergue-se um mausoléu de asas
em santo sepulcro de palavras aladas


III
que presságios traz
a mudez
do flagelo verbo
fugitivo de um poema em chamas
?



Justina Kopania


sobre a carne viva da página

o talo do verbo
ergue totem de sentidos
jorra-lhe sem pudor
seiva e sumo
à espera de abrir-lhe
a
rosa
do
poema

Justina Kopania
tu que habitas essa ilha de memória
margeando passado
nessa terra de parto
vida
e
morte
olha
procura por debaixo das coisas miúdas
os sentidos partidos ao meio pelo tempo
recusa a morte
corrente-leito-de-espera
do rio que já não é
aceita as manhãs
do rio que será
o agora não é chegada
é partida


Justina Kopania


à dobra da noite

doura o pétreo enigma
de fora para dentro
grito
de dentro para fora
silêncio
centro
incandesce n’alma
aos sentidos
nos
arde
m
e
n
t
e
***

o humano é esse abismo mais profundo

depois de inventar os deuses
os pecados
e o perdão
em sua cotidiana autofagia
devora a cada instante
toda vida que lhe circunda
e habita

Justina Kopania


Aspiro, em demasia, pela clarividência do verbo – a espera do
alento que a tudo engloba e ilude – que a tudo cuida e dá o
seu destino. O verbo esse alento que, em descomedimento,
faz sua vigília sobre cada esfera a flutuar no ventre do espaço
e à luz do tempo. O verbo esse deus feito de luz e silêncio.




Wanda Monteiro, advogada, escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas, em Alenquer, Pará, Brasil. Colabora com vários projetos de incentivo à leitura de seu país, seus textos poéticos são publicados em importantes revistas literárias - impressas e digitais - veiculadas em várias regiões do pais, como Mallarmargens, Revista Gueto, Acrobata, Diversos & Afins, Relevo, Lavoura, Zona da Palavra, Vício Velho, Ruídos, Literatura BR, Literatura & Fechadura, DesEnredos, InComunidades (Lisboa). E agora na nova Revista MulherArte. Tem seus poemas publicados nas antologias: Senhoras Obscenas; Proyecto Sur Brasil, Sarau da Paulista; Mulherio de Letras / Lisboa e na primeira e histórica publicação impressa da Revista Literária Gueto. Obras publicadas: O BEIJO DA CHUVA, 2008, Ed Amazônia; ANVERSO, 2011, Ed Amazônia; DUAS MULHERES ENTARDECENDO, 2015, Ed TEMPO - em parceria com a escritora Maria Helena Latinni; AQUATEMPO, 2016, Ed Literacidade; A LITURGIA DO TEMPO E OUTROS SILÊNCIOS, 2019, Ed Patuá.





Comentários

  1. Wanda Monteiro
    Poemas que se reconhecem na intimidade, no existencialismo, na percepção d'alma enquanto missão planetária da trajetória humana, frente a evolução e revolução, ação e reação que causa a arte!
    Um Norte! Literalmente...A fluidez dessa região-realidade a identidade de quem percebe os caminhos que os rios universais nos levam...
    Desperta humanidade!
    Bravo! Bravíssimo!

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