Uma linda crônica de Palmira Heine

Imagem  Pinterest

A barba branca
por Palmira Heine

Era a década de 80, eu tinha em torno de seis anos e minha mãe ainda fazia faculdade de Letras em Recife. Sem ter com quem me deixar, quando ia estudar, ela, muitas vezes, me levava com ela para a aula. Eu pegava meu caderninho de desenho e começava a desenhar, enquanto a aula ocorria. Às vezes cantava baixinho batendo os pés e as mãos, esperando que a aula acabasse para irmos para casa. Uma ocasião, porém, minha mãe me levou mais uma vez. Nas minhas lembranças de criança, sei que aquele dia tinha algo diferente. Eu estava ansiosa, e o dia estava lindo com uma beleza leve de canto de passarinhos.
Minha mãe chegou na sala, sentou e eu sentei na cadeira ao fundo com a companhia do meu caderninho de desenhos. Minutos se passaram e entrou um professor. Ele tinha uma barba comprida e branca. Eu sempre tive medo de barbas compridas quando era criança. A imagem do professor barbudo me trouxe medo e timidez. Ele sentou e começou a falar, mas o modo como falava contagiava os alunos. Era uma eloquência amorosa diferente do que eu já tinha visto nas idas à Universidade com minha mãe. Eu era criança e não entendia do assunto que ele abordava mas entendia ainda de brilhos no olhar e o dele emanava um brilho poético contagiante . Comecei a observá-lo cuidadosamente e discretamente para que ele não me descobrisse ali no fundo. Mas, em um momento, seu olhar como pássaro pousou sobre mim. Tremi de medo porque eu não gostava de barbas grandes. Então ele diz:
-de quem é essa menina?
-É minha, professor Paulo! Disse minha mãe apressando a voz.
Ele se aproximou e disse:
-Venha aqui!
Como eu negava, minha mãe me pegou no colo, porque eu me encolhi, e me levou até ele. Foi então que ele disse:
-Pode pegar na minha barba!
Eu apalpei a barba branca e vi que ela era bonita e brilhante e que dela caíam versos que eu imaginava voando pela sala como borboletas em um jardim. Aquela barba parou de me causar medo, me despertou um amor fraternal que eu desconhecia. Foi assim que conheci de perto Paulo Freire. Os dias seguintes, na ida à Universidade com minha mãe passaram a ser ansiosamente aguardados por mim... Muito tempo depois eu vim descobrir quem era o professor barbudo cuja imagem com barba de versos, passei a desenhar no meu caderninho...


Palmira Heine nasceu em Salvador, em 1976. É graduada em Ciências Sociais, História e Letras. Possui Especialização em Metodologia do Ensino Superior e em História Social e educação. É mestre  e doutora em Letras pela Universidade Federal da Bahia e atua como professora universitária na Universidade Estadual de Feira de Santana. Além de um vasto trabalho com relação a temas ligados ao estudo de teorias textuais e discursivas, área na qual atua como professora universitária, a autora também tem se dedicado a escrever poemas e livros infantis, a participar e organizar coletâneas, a participar de Feiras Literárias e Saraus. Ama livros, literatura infantil, poemas, música e é mãe de duas lindas crianças.








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