Cinco poemas de Fany Aktinol - Cinco telas de Luciane Valença




NA PRIMAVERA

Na primavera 
sou a flor que nasce,
floresce e 
preenche com sol
- com seus raios 
rasos e amarelos -
cada fragmento da existência,
tornando este o sentido da vida.

Num ponto distante,
indevassável,
me planto, finco raízes
para sorver 
o alimento da alma,
ouvir a música,
o vento,
a terra que crepita
durante gerações
e subsistir
indefinidamente,
me recriar
perpetuamente
como herança 
de uma química milenar.


IMINÊNCIA

Vivi a beleza na altura,
No imponente cume
Transcendi a vida na planície.
A água da fonte que desaparecia
Aplacou um dos pontos cardeais 
Da minha sede ancestral.
O arbusto que floresceu
Sobre a rocha escarpada
Deu-me a sombra reconfortante.
O céu baixo,
O fulgor do astro rei 
Que se despedia 
Me envolveu no manto 
da religiosidade
E me trouxe a elegia 
Que fez eterno 
O instante fugaz.
O reflexo no espelho
Trouxe aquela fonte de águas cristalinas
Que recuperei 
Dentro de uma secreta floresta submersa
No meu íntimo pacificado
Por alguma desconhecida divindade.

NOS PERDÍAMOS

Num passado remoto -
não éramos sequer nascidos -
nos deslocávamos por lugares ermos. 

Ardemos na vastidão dos desertos
e suas temperaturas extremas,
desbravamos a natureza inóspita
das florestas úmidas e fechadas.

Nos perdíamos sempre 
por nos faltar a percepção do horizonte:
o espaço infinito se incendiava 
em nosso corpo finito.

A natureza imensa,
a fúria de seus elementos
que não sabe do que é capaz
deflagrava em nós
uma vulnerabilidade assombrosa.

Perdemos o rumo de casa
estávamos sós -
queimávamos durante o dia
e soluçávamos à noite.  

OUTONOS

Entro na casa
Envolta na penumbra.
Removo a poeira acumulada
Infiltrada 
Através de fissuras microscópicas
Não visíveis a olho nu
Durante os outonos
Quando se agitam as árvores
E se soltam as folhas.

Por trás desse movimento
Interpreto a mensagem,
O atributo maior 
Do encontro solitário,
Revelador -
Descubro que sob o pó
Há um brilho inesperado
A refletir meu espanto -
Sob o pó
Me escondo.


À MARGEM DA ÁGUA SALGADA

À margem da água salgada
sobre milhões de grãos de areia e
sob  um céu que escurece lentamente
eu te interrogo em silêncio,
o silêncio de nossos olhos,
nossos corações,
nossas alcunhas -
quase não precisamos 
de palavras.

A noite que chega 
vibra nossos sonhos,
nossas aflições sobrenaturais,
nosso pulsar da memória -
quase não precisamos
de palavras.

Nesta cálida noite
sob estranho magnetismo
quase não movimentamos
nossas bocas,
nossos corpos -
quase não precisamos 
de palavras.

Estamos a um passo
do nunca suficientemente louvado,
nunca inteiramente alcançado,
silêncio essencial.


*
Fany Aktinol nasceu no Rio de Janeiro em 1953. É escritora e bibliotecária, autora de Um atalho entre o sol e a solidão (prosa poética, 2004), O sol se põe em meu corpo (poesia; 7letras, 2009), O tom da infância (romance; 7letras, 2010), Sob o esplendor de milhares de sóis (poesia, 2.ed. 7letras, 2013) e Para onde vou (vou sozinha), poesia; 7letras, 2013. 
Atualmente mora na Califórnia.


Luciane Valença é artista visual, curadora, designer e ilustradora, nascida em Niterói, Rio de Janeiro, no ano de 1975.
Luciane vem se destacando no cenário artístico com seu estilo único, criado com influências perceptíveis da Art Noveau, do Futurismo e do Surrealismo. Em novembro e dezembro de 2018, a artista iniciará sua carreira internacional, com exposição de suas obras em Portugal. O traço de pincel de Luciane se caracteriza pela mistura de matizes que parecem não ter começo ou fim com demarcações por linhas firmes e contrastes de luz e tons, trazendo aos amantes da boa pintura novidades maturadas, advindas de inspirações, aspirações, desejos, idiossincrasias e emoções próprias. As figurações e histórias presentes em suas obras são um convite sedutor a uma realidade fantástica, um mundo peculiar, de beleza plástica com profundidade, que propõe reflexões sobre as emoções, o cotidiano e a psiquê.
Em dezembro de 2017, Luciane foi convidada pelo artista plástico francês e Embaixador do Turismo no Rio de Janeiro, Philippe Seigle, para ser curadora de arte do Hotel Sofitel Ipanema. Desde então, além das exposições mensais que promove no Sofitel Ipanema, a curadora tem realizado exposições em outros espaços do Rio de Janeiro e Niterói, revelando o talento de artistas exponenciais.
Luciane já conta com mais de 15 anos de experiência no mercado da comunicação visual, tendo prestado seus serviços inclusive à grandes corporações, como a Petrobras Distribuidora, e a editoras, como a Brahma Kumaris e a Penalux.
Valença já realizou inúmeros trabalhos para cadernos corporativos, livros autorais e revistas. Dentre outros, contam com suas ilustrações as obras de autores brasileiros como Simone Boger, Rogério Bernardes, da autora portuguesa Teresa Almeida Rocha e da Revista Observatório Feminino.
Em 2008, Luciane fundou, com seu irmão, o artista plástico e restaurador Carlos Valença, o Atelier Valença & Arts.
Criou também, em fevereiro de 2018, o Coletivo Contemporâneos, que reúne atualmente 10 artistas atuantes no cenário carioca, promovendo ocupações artísticas, marcadas pela diversidade de estilos e linguagens.
Em novembro de 2018 iniciou sua carreira internacional com a exposição individual Hinos Homéricos no ISPA – Instituto Universitário de Lisboa – Portugal. Resultado da pesquisa de 2 anos sobre a mitologia grega em que a artista empregou uma versão particular em entre mitos e psiquê. Luciane tem obras espalhadas por Portugal, Alemanha, Inglaterra e França.
Hoje, Luciane Valença é artista residente da galeria Espaço BB Arte Ipanema localizada no Rio de Janeiro.
Facebook https://www.facebook.com/lucianevalencaarts
Blog https://lucianevalencaarts.wordpress.com/
Instagram https://instagram.com/luvalenca/



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