MEU PAIDEUMA FEITO DELAS: com Silvana Guimarães, Kátia Borges e Adriana Brunstein




[Silvana Guimarães]

AÇAFRÃO

Uma coisa amarela,
é isso o que eu quero.
Quem sabe a lua nova,
quem sabe um dia manso.

Talvez um galho de sol
sobre um rio cansado.

Uma coisa amarela,
eu quero, porque quero.

Talvez, cheiro de outono,
quem sabe, um pedaço

de vento, folha, areia,
coisa que vem de dentro.

Qualquer coisa, eu quero.
Da cor que regenera.

Qualquer tom de amarelo,
que não seja sorriso.

Pode ser até um beijo,
alguma coisa acesa.

Fogo, faca, afago
de tirar meu fôlego.

Quero, porque preciso,
alguma coisa qualquer.

Quem sabe uma palavra,
ainda que fosse suja.

Quem sabe só uma flor
chegando com urgência.

Uma coisa amarela,
talvez. Como um susto.



[Katia Borges]

TEU MOVIMENTO

Antes que te chame
o pelotão de fuzilamento
repara o pássaro
apara o dia.

Há um olhar que se derrama
lento sobre a vigia
e graciosidade no andar
do carcereiro.

Antes, sim, que chamem
o teu nome, anota
num papel ou na parede
certo verso de cimento.

Na argamassa firme
teu movimento.

(do livro O exercício da distração)


[Adriana Brunstein]

Ela tava lá tentando tirar a calcinha da bunda, perguntei se queria ajuda, levei uma cotovelada no olho, entrei no ônibus e alguém lá fora gritou “lincha” e alguém lá dentro gritou “bicha é você”, depois ficou todo mundo quieto pra ouvir o “olha o kit kat da nestlé, ó, é um por dois e dois por cinco, ó”, uma velha comprou, disse que tava vencido e o rapaz respondeu que “pode ver que tá no prazo, ó”, mas ela cuspiu tudo e nem viu que a janela tava fechada, e uma criança exclamou “que merda” e tomou um tapa na boca e olhou solidária pro meu olho roxo, eu respondi que daqui pra frente tudo piora e o ônibus freou com tudo e voou criança, velha, caixa cheia de kit kat da nestlé, ó, parecia reality show de suruba onde ninguém goza, nem fingir consegue, uma moça perdeu um brinco e saiu engatinhando até que ouviu barulho de zíper e gritou “sai fora, tarado”, mas não era, era alguém abrindo a bolsa pra ver se tinha quebrado o frasco de perfume, tinha, empesteou tudo e um meio bêbado acordou e pediu mais uma dose daquilo ali, enfiaram um kit kat em sua boca, ó, e ele chupou com o que o fulano que ajeitava os óculos chamou de expertise, para a moça do brinco era tudo nojento demais e ela pediu pra descer e o motorista disse que não era parada e que a “cocota que esperasse”, a criança fez cara de quem queria saber o que era cocota mas ficou calada, acho que ninguém sabia e que ninguém quer saber mais nada porque já é foda descer com a vida no ponto certo, cacete, passei dois, desci e atravessei a rua para esperar a volta mas já era tarde demais pra qualquer coisa.”

(do livro Pancho Villa não sabia esconder cavalos)




Comentários

  1. Ah, essas mulheres maravilhosas... e você, principalmente, Adriane. Sua coluna cada vez mais linda! 🤍

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  2. Adoro todas... Saudades da Adriana.... beijos

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    1. Obrigada, querida Virgínia. Adriana é mesmo uma queridona. Excelente escritora.

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