A Instigante Poesia de Rosana Píccolo


Aquilae

gosto das águias
possuem a vidência
dos anjos



dos anjos caídos, sem salvação
a gargalhada que assusta
a lantejoula de fogo
colada nos olhos   
talhados a faca

miram a estrela
para desfazê-la em pó
e picham
                        
(spray da noite mais negra)

manjedouras

Anel da noite

vezes a górgona
o venenoso cabelo
vezes a amêndoa vermelha
na palma dos ressuscitados
vezes um dente da lua
cavalo celta, crânio-pingente
vezes o fole de um acordeão
lata de peixe
fiação

vezes o coro do vento
vezes nada
só o pensamento das árvores negras


 Lobo

o lobo passa
pelo bairro desembesta
forma lhe dá o vento
e a gola e a motocicleta

suicida-se a rua em salas de estar
likes e flanelas

a luz
denuncia o freio sanguíneo
às câmeras, olheiras de portarias espiãs
(cobrem a noite de roxo)

ele desata a veia feroz
e entrega o uivo



II *

a fuga do pássaro

trama de sombras

e vidraças

a vermelhidão do galo

ao gume do vento


gótica desordem de bocas


a chuva _________ negro tinteiro

desaba sobre os automóveis


e


chauffers


III *

meias do medo

finíssimas

as árvores _________ o seu espelho

 língua tivesse      verde seria

   envenenada    ponta de flecha


treva


medo do beco

medo do bêbado

medo do muro

medo de tudo


gira


como um vestido de baile


* O Pão (trechos)

Fotografias por Marcelo Sena



Rosana Pícolo
Publicitária e poeta paulistana, atualmente em Curitiba. Autora dos livros Ruelas profanas (Nankin, 1999), Meio-fio (Iluminuras, 2003), Sopro de vitrines (Alameda, 2010), Refrão da fuligem (Patuá, 2013), Bocas de lobo (Patuá, 2015), além da plaquete O pão (Lumme, 2017) e Alla prima (Patuá, 2019). Organizadora da antologia MedioCridade (Laranja Original), ao lado do poeta Rubens Jardim. 

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